domingo, 28 de julho de 2019

Grécia: completando o círculo vicioso


 
por Michael Roberts
The Next Recession

Então todo o ciclo está completo. O Nova Democracia, partido conservador, corrupto e pró-empresarial da Grécia, que foi derrubado pelo partido anticapitalista Syriza em 2015, voltou ao poder nas eleições gerais de 2019, com uma maioria absoluta sobre todos os outros partidos.

O partido Nova Democracia obteve só 40% dos votos. O Syriza sob Alexis Tsipras obteve só 32% dos votos. O comparecimento dos eleitores foi de pouco mais de 57%, a taxa mais baixa desde o fim do regime militar em 1974, o que sugere uma enorme desilusão com todos os partidos. O percentual de votos do Syriza caiu apenas 3,5% em relação à última eleição de 2015, mas a fatia do Nova Democracia subiu de 28% para 40%. Os partidos pequenos (incluindo os partidos dissidentes do Syriza) tiveram um fraco desempenho, embora os ex-social-democratas do Pasok tenham aumentado sua participação de 6,3% para 8%, e os comunistas permanecessem inalterados em 5%. Também um novo partido, MeRa25, criado pelo ex-ministro das finanças do Syriza, Yanis Varoufakis, superou o limite de 3% e terá parlamentares pela primeira vez. O neofascista Aurora Dourado não conseguiu entrar no Parlamento.

Os últimos quatro anos do governo Syriza foram tristes e tumultuados. Eleito para se opor às políticas da Troika (BCE, FMI e UE) e à imposição de cruéis medidas de austeridade contra os gregos em troca de “salvar” seus bancos, os bancos estrangeiros e a dívida do governo, o Syriza a princípio resistiu à Troika. Sob Tsipras e Varoufakis, procurou um acordo com os líderes do euro que não imporia a austeridade. Quando tal acordo foi rejeitado pela Troika e pelos líderes do euro, liderados pela Alemanha e pelos Países Baixos, Tsipras convocou um referendo sobre o “memorando” da Troika: os gregos deveriam aceitar a austeridade ou rejeitá-la? Apesar de uma massiva campanha de propaganda da mídia negocista na Grécia e internacionalmente e da falta de brilho da campanha do Syriza, os gregos votaram 60-40 para rechaçar a Troika. Pouco mais de um dia depois, o governo ignorou o voto e capitulou.

Nos quatro anos seguintes, o governo Syriza tentou implementar devidamente todas as exigências da Troika. As aposentadorias foram reduzidas, funcionários públicos foram demitidos, congelamentos salariais foram impostos, ativos estatais foram vendidos, e os impostos foram elevados drasticamente. Varoufakis renunciou após a capitulação e excursionou pela Europa; e a facção de esquerda do Syriza se dividiu para comandar seus próprios partidos eleitorais – sem sucesso. O governo do Syriza aproveitou a esperança e a expectativa de que, se cumprisse as medidas de austeridade impostas pela Troika, acabaria por poder retomar o crescimento econômico, ganhar algum “espaço fiscal” e “voltar ao mercado” da dívida pública.

Os primeiros empréstimos que o governo obteve da Troika foram usados ​​para pagar os bancos franceses e alemães que detinham bilhões em dívidas do governo grego que virtualmente não valia nada. Após esse resgate do setor privado, os empréstimos seguintes foram usados ​​para cumprir os pagamentos ao FMI, ao BCE e a outros governos dos primeiros resgates. Nesse círculo interminável, mais dívidas foram adquiridas para quitar dívidas anteriores! Nenhum desses recursos foi destinado a aliviar a depressão sofrida pelos gregos em seus padrões de vida. A economia grega entrou em colapso em 30%, as pensões e os salários caíram 40%; milhares de jovens emigraram em busca de trabalho, e os serviços públicos e os empregos foram dizimados. E os mais afetados foram os empregos no setor privado em turismo, indústria e viagens.

Esses sacrifícios recuperaram o capitalismo grego e eventualmente reverteram o declínio calamitoso da produção, emprego e renda? A resposta curta é não. As taxas de desemprego gregas continuam muito altas, especialmente para os jovens.

O investimento de capital entrou em colapso durante a crise da dívida, mas não se recuperou. Os empresários gregos não puderam investir. Os gastos do governo foram reduzidos pelas medidas de austeridade.

Contudo, isso não reduziu a dívida do governo em relação ao PIB, que permanece em impressionantes 180% do PIB e permanecerá em um futuro previsível. Todas as medidas de austeridade não causaram danos à dívida do governo constituída para socorrer os bancos estrangeiros, os bancos gregos e outros detentores de dívida do governo grego. O fracasso do setor privado, dos negócios gregos e do capitalismo global foi transferido para as contas públicas e seu povo pelas gerações futuras.

Os imensos empréstimos que o governo grego deve aos líderes da UE (o FMI e o BCE foram pagos) não precisam ser reembolsados ​​durante uma década ou mais, e o custo dos juros dos empréstimos é baixo. Todavia, a dívida não foi amortizada; deve ser reembolsada eventualmente, e o governo grego deve ter um enorme superávit orçamentário para cobrir pagamentos futuros e os juros da dívida e obter novos empréstimos no mercado global.

Toda a estratégia do governo Syriza era que, à medida que o crescimento econômico voltasse à Zona do Euro, ele levantaria o barco grego com outros barcos europeus na maré crescente da recuperação econômica. O “espaço fiscal” seria criado, e os serviços públicos e as aposentadorias poderiam então ser melhorados enquanto não deixavam de cumprir o cronograma de pagamento dos credores.

Contudo, não funcionou assim. O crescimento econômico da Zona do Euro desde a crise da dívida tem sido patético, quase não ultrapassando os 2% ao ano e agora desacelerando rapidamente. Durante a crise da dívida e a eventual capitulação do governo do Syriza, estimei que o crescimento econômico grego teria que ser em média de, pelo menos, 3% ao ano para acabar com a austeridade caso o governo continuasse os seus compromissos com a Troika. Em vez disso, a taxa de crescimento da Grécia foi em média pouco mais de 1% ao ano sob o governo do Syriza. No momento, ela está diminuindo após um breve período acima de 2% para somente 1,3%.

O novo governo conservador assume o poder quando as economias da Zona do Euro e de grande parte do resto do mundo enfrentam uma desaceleração no investimento, no comércio e no crescimento – e uma recessão total, na pior das hipóteses.

A estratégia econômica dos líderes do Syriza de aceitar o programa da Troika, honrando o fardo da dívida e permanecendo na UE, fracassou. O resultado foi uma total desilusão com o Syriza, particularmente entre os jovens. Muitos emigraram da Grécia para procurar trabalho; aqueles que emigraram ou não votaram na eleição ou votaram por uma mudança de governo na forma da Nova Democracia. Os meios de comunicação recorreram a todo tipo de atitudes sobre esses comportamentos.

Como muitos jovens gregos, Tasos Stavridis planeja deixar o país assim que terminar sua graduação em Ciência Política. “Nossa crise financeira durou muito mais do que esperávamos, e estamos tão exaustos”, diz o jovem de 22 anos. “A maioria dos meus amigos também planeja ir embora. Na Grécia, os salários são tão baixos, e a situação econômica é muito ruim”. E o Nova Democracia? “A verdade é que eu os culpo [pela crise] também”, admite Stavridis. “Mas acredito que [o primeiro-ministro] Mitsotákis fez muitas mudanças. Concordo com o plano econômico que esse partido tem, e acredito que isso nos ajudará a sair dessa situação. Devemos nos concentrar no setor privado para melhorar economicamente. Nosso setor público é ineficiente e preguiçoso”, acredita ele. “A última vez que minha família apoiou a esquerda acabou sendo muito pior”, diz Zoe Babaolou, de 19 anos, de Tessalônica, que votou no Nova Democracia nas eleições europeias. “Parece melhor voltar a algo mais seguro”. Babaolou acrescenta: “Nós votamos pela ideologia em 2015 e não vimos nenhuma mudança. Então me interessam mais as medidas econômicas”.

Poderia ter havido uma alternativa à estratégia de Tsripras e dos líderes do Syriza em julho de 2015, quando o referendo para se opor à austeridade da Troika foi apoiado pela maioria do povo grego? Creio que sim. Uma opção proeminentemente impulsionada pela facção de esquerda dos deputados do Syriza era romper com a UE e o euro; reverter para o dracma grego, desvalorizar a moeda, impor controles de capital a qualquer fuga de dinheiro, deixar de pagar a dívida e voltar a aplicar programas de gastos governamentais.

Por exemplo, essa foi a opção apresentada pelo economista socialista e deputado do Syriza, Costas Lapavitsas, na época. Lapavitsas assumiu uma posição de princípio contra a capitulação e rompeu com Syriza. Porém, ele argumentou que: “a solução óbvia para a Grécia neste momento, quando considero a economia política, a solução ideal, seria uma saída negociada. Não necessariamente uma saída contestada, mas uma saída negociada”. Isso envolveria uma amortização de 50% da dívida contraída com a UE e a proteção da nova moeda grega (desvalorizada em apenas 20%) com liquidez do BCE.

Minha posição então era que, mesmo que a Troika concordasse com tal “saída negociada”, o que era um ponto discutível; e mesmo que o novo dracma grego só se depreciasse em 20% (extremamente improvável), a economia grega ainda estaria de joelhos, incapaz de restaurar os padrões de vida da maioria. A desvalorização e o aumento dos preços afetariam qualquer ganho obtido com exportações mais baratas. Lapavitsas pareceu reconhecer isso quando disse na época: “Os salários devem subir, mas, mesmo que eles aumentem, não voltarão para onde estavam. Não é possível no momento. Precisamos de uma estratégia de crescimento”.

Entretanto, Lapavitsas se opôs a uma estratégia de crescimento baseada no planejamento socialista. “Eu não acho que o Syriza deva sair com um amplo e extenso programa de nacionalizações neste momento. O que é necessário é nacionalizar os bancos, é claro. E para garantir que as privatizações de energia parem, a eletricidade em particular. Isso tem que cessar. E que a privatização de outros ativos importantes seja interrompida. Precisamos articular uma estratégia de crescimento e recuperação de imediato fora do euro e depois ter um plano de desenvolvimento de médio prazo”. Para mim, a estratégia de que a Grécia abandonasse o euro implementando, em primeiro lugar, um amplo programa keynesiano de gastos e deixando as medidas socialistas para depois não poderiam funcionar porque as forças do capital internacional e doméstico permaneceriam intocadas.

Na minha opinião, havia outra opção: um amplo e extenso programa para substituir o capitalismo. Para mim, o capitalismo grego precisava ser substituído, dentro e fora do euro. Isso significaria a propriedade pública de todas as grandes empresas e do capital estrangeiro na Grécia; uma mobilização democrática dos trabalhadores para controlar seus locais de trabalho e a economia com um plano de investimento e produção. Um Syriza socialista poderia então apelar por apoio ao movimento trabalhista mais amplo na Europa para forçar seus governos a abandonarem a imposição da austeridade, cancelar a dívida e iniciar um programa de investimento em toda a Europa que incluísse a Grécia.

Tal estratégia teria mais apoio de trabalhadores gregos e de outros países do que uma que se concentrasse em condenar o euro como o problema. Afinal, sempre houve uma maioria de gregos favorável à permanência no euro e na UE. A Grécia é uma economia capitalista pequena e fraca; não pode ter sucesso sem que o resto da Europa o tenha; e isso também se aplica a uma Grécia socialista. Porém, pelo menos, o povo grego teria o controle sobre seus próprios bens de capital e a alocação de mão de obra.

Contudo, sejam quais forem os méritos de uma opção keynesiana ou marxista em 2015, agora temos o retorno do governo pró-empresarial, corrupto e liderado pela dinastia do Nova Democracia, que originalmente presidiu o colapso financeiro e a recessão em 2010. O programa do governo Mitsotákis é privatizar, reduzir impostos para os ricos e encorajar o investimento estrangeiro, ao mesmo tempo mantendo os salários e aposentadorias baixos e os serviços do governo no nível mínimo – neoliberalismo, se você quiser chamá-lo assim.

O objetivo real é aumentar a lucratividade do capital grego como solução econômica e esperar que o capitalista invista na Grécia. Segundo o banco de dados AMECO da UE, o retorno líquido do capital na Grécia despencou 35% de 2007 a 2012. Sob o governo Syriza, a lucratividade recuperou 20%, mas ainda está 15% abaixo do pico de 2007. O objetivo do novo governo será continuar o trabalho do Syriza para salvar o capitalismo, mas com energia extra e um toque de vingança. Enquanto isso, uma nova recessão global se aproxima.

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[0] Tradução: Opera.
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