quinta-feira, 25 de julho de 2019

"Future-se": 9 motivos pelos quais este programa é um golpe ao ensino público superior


por Leandro Matias

Na manhã de 17 de julho o Ministro da Educação e inimigo do povo Abraham Weintraub apresentou publicamente o programa FUTURE-SE, que entregará as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) de bandeja e em definitivo ao setor privado sob o pretexto de melhorar o seu modelo de financiamento. O momento é conveniente, pois assim como diversas universidades federais já declararam não possuir mais recursos para manter as portas abertas por muito tempo - a UFPR, por exemplo, apontou agosto como seu limite orçamentário -, uma nova Greve Nacional da Educação já foi convocada para o dia 13 de agosto e deve mobilizar articulações na sociedade e nas comunidades acadêmicas pelas próximas semanas. Por que este programa é um golpe quase fatal ao ensino superior público?

1. A proposta pouquíssimo detalhada atende a já conhecida tática do governo Bolsonaro de desinformação e desmobilização. Ao mesmo tempo em que a oposição majoritária, ainda esperançosa em uma falida e assimétrica disputa institucional, não vê instrumentos e sequer possui um projeto capaz de contrapor com firmeza esse duro ataque ao nosso sistema público universitário, quaisquer entendimentos sobre a proposta que gerem repercussão negativa podem ser desmentidas a qualquer momento de maneira coordenada por Bolsonaro e seus apoiadores (a conhecida estratégia de firehosing). Enquanto isso, o governo consegue também engajar acriticamente parte da população e de grupos de interesse, haja vista boa recepção pública a fraseologias envolvendo termos como transparência, boa gestão, eficiência, retorno a sociedade, empreendedorismo etc, abundantes durante toda a apresentação.

2. Estudantes, educadores, técnicos e dirigentes das IFES sequer foram consultados. De fato, a proposta foi integralmente concebida nos confortáveis gabinetes de políticos e representantes das mais diversas frações da burguesia. A desculpa de uma consulta pública realizada em poucas semanas não pode e nem deve ofuscar o fato de que os principais setores interessados foram privados do debate e da construção desse programa. Sabemos, obviamente, que um projeto de reforma universitária em nossas atuais circunstâncias não garantiria necessariamente um salto qualitativo em nossa realidade ainda que envolvesse os demais setores da sociedade, pois bem nos apontou Marx na 3ª Tese sobre Feuerbach que “(...) circunstâncias são modificadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado”, mas não há qualquer dúvida de que esse projeto concebido pelos donos do poder e seus lacaios é um dos maiores ataques aos interesses do povo no campo educacional das últimas décadas.

3. Dinheiro privado para finanças básicas, não como recursos adicionais. Um dos objetivos é retirar do Estado a função de financiar as universidades públicas e não dar condições dessas mesmas instituições de ensino crescerem qualitativa e/ou quantitativamente. Assim, o financiamento privado vai substituir gradativamente (ou mais do que isso) não só as fontes de recursos para prática tríplice de ensino, pesquisa e extensão, mas também de manutenção cotidiana das instituições (despesas de custeio).

4. Parceria com Organizações Sociais (OSs) é estratégia silenciosa de privatização e área cinza pra corrupção. OSs são velhas conhecidas na área da saúde, já entraram definitivamente na educação na rede pública de ensino, mas a nova menina dos olhos é a universidade pública (Para conhecer: https://youtu.be/ipwifevzJoE).

5. Fundo privado é uma armadilha. Não há fundo privado de alto montante que se constitua de um dia para o outro, sobretudo advindo de venda e locação de imóveis públicos, que por si só já se constitui como um enorme problema, pois a pretensão do governo é doar o patrimônio nacional por pechincha sob a desculpa de ser “por um bem maior”. Ou seja, esse dinheiro demoraria para ser viabilizado (baixa capacidade de liquidez), e tudo que as universidades públicas não dispõem hoje é tempo (pois falta dinheiro), logo nada disso impedirá a situação calamitosa das universidades.

6. Ataque direto ao pensamento crítico, mas não apenas. A lógica do mercado atacará de vez a autonomia universitária também no seu conteúdo de atuação. Isto é, ela já opera hoje nos meios acadêmicos, mas a tendência é que as áreas mais financiadas e lucrativas produzam um efeito circular devastador, pois mais pesquisas serão deslocadas para o mesmo objetivo mercadológico e, ao mesmo tempo, áreas menos financiadas receberão ainda menos recursos. As ciências humanas, por exemplo, há anos já vêm sendo atacada publicamente por sua pouca importância “para o desenvolvimento do país e crescimento da economia”. Além disso, sabemos que o mercado não tem pretensão alguma de fomentar pensamento crítico: qual seria mesmo a necessidade para o capital de manter existindo um núcleo marxista na Universidade Federal Fluminense de Niterói?

7. Adesão voluntária no discurso, contagem regressiva na prática. Mais uma tática inteligente para continuar sucateando as universidades não concordantes com o novo modelo, afinal a Lei do Teto de Gastos e os cortes permanecem vigentes, da mesma forma que sucessivas quedas dos recursos destinados nas Leis Orçamentárias Anuais às universidades já deixaram prejudicadas as finanças dessas instituições. Ao mesmo tempo, a mesma tática pretende jogar a opinião pública contra essas mesmas universidades e suas pautas de financiamento, pois parte da população, alheia aos detalhes dessa lógica público-privada, tomará as universidades que resistirem por teimosas, ideológicas e pouco comprometidas.

8. Harvard não é modelo. Como apontado por Daniel Cara (coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação) e Vladimir Safatle, a busca por tomar Harvard como modelo para as universidades públicas brasileiras é uma pretensão liberal desprovida de base. Enquanto Harvard possui 23 mil estudantes e se constitui como uma universidade de pesquisa especializada e de elite - no Brasil sua equivalência mais próxima seria a FGV -, as universidades federais e estaduais cumprem formalmente (e aqui entra nossa crítica ao processo de expansão universitária petista, pois sabemos a restrição disso na prática) uma função social de acesso às massas, como por exemplo uma USP, com 98 mil estudantes. Como tratar esses dois modelos de maneira similar?

9. Estrago já está feito com Future-se aplicado ou não. Independente da proposta vingar, o debate sobre a universidade já foi deslocado quase inteiramente para o âmbito financeiro. Hoje nos perguntamos: “como as universidades terão recursos? Como priorizar para que o orçamento seja suficiente?”. Se o dia a dia da universidade já se destina a pensar o que fazer para não fechar as portas antes do fim do mês, quer dizer que não estamos olhando para os grandes problemas e para a função social da Universidade Pública num país dependente esubdesenvolvido como o Brasil. E é por isso que o Movimento por uma Universidade Popular é fundamental, precisamos pensá-la e construí-la, não apenas defendê-la.
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