Coordenação Estadual do Coletivo LGBT Comunista – RS
O apoio de empresas como a Uber a paradas LGBT deve ser discutido. Mas, antes de tratarmos de qualquer relação da Uber com a população LGBT, é essencial pensarmos a colocação da empresa na atual configuração social. A Uber é uma empresa cujos donos nadam em dinheiro às custas da superexploração[1], enquanto seus trabalhadores lutam por salários dignos[2]. Sendo o maior dos símbolos da nova onda de precarização, a empresa empresta seu nome a ela: a chamada “uberização” do trabalho. O processo é caracterizado pela ausência de direitos e garantias trabalhistas, falta de vínculo empregatício sólido e baixas taxas de remuneração, escondidas atrás da figura do trabalhador enquanto colaborador e autônomo. A inovação trazida por empresas como a Uber não representa uma solução para os problemas do desemprego, pobreza, miséria, desigualdade e baixo crescimento econômico, nem uma fonte segura de renda extra para trabalhadores. A Reforma Trabalhista é parte desse processo por modificar a organização e as estruturas do mercado de trabalho[3]. Além disso, como em muitos outros formatos trabalhistas, o quadro é pior para as trabalhadoras mulheres[4]. Também sabemos que a população LGBT é mais uma das populações que sofre especialmente com a informalidade e precarização em geral.
A ideia de que uma empresa como essa possa ser considerada uma campeã da causa LGBT é ofensiva. Que essa ideia, por vezes, surja atrelada à lembrança da Revolta de Stonewall, demonstra a, cada vez mais presente, tentativa de esvaziar a carga política dessa lembrança. Stonewall foi um levante das pessoas LGBT da classe trabalhadora, negras, latinas, pobres e em situação de rua contra a violência policial, aplicada cotidianamente contra essa população. Suas lideranças, uma mulher trans negra, Marsha P. Johnson, e uma latina, Sylvia Rivera, não desenvolveram uma luta assimilada à ordem depois da Revolta; muito pelo contrário, fundaram a Ação das Travestis de Rua Revolucionárias. O grupo ocupava prédios abandonados e os transformava em moradia para as mulheres trans em situação de rua. Elas mantinham, também, proximidade com o Partido dos Panteras Negras[5]. Compreender as lições de Stonewall é compreender que o movimento LGBT deve ser centrado nos interesses das pessoas LGBT da classe trabalhadora e ser um movimento de luta radical, contra a ordem estabelecida que é a responsável pelo atual lugar que ocupamos.
A própria presença e o financiamento de uma empresa como a Uber a uma parada LGBT demonstra que esta é considerada um espaço dócil para os interesses da burguesia. Burguesia essa que lucra com a superexploração da nossa classe, e com a LGBTfobia que nos joga para os trabalhos informais e precarizados, para o desemprego e o encarceramento. Se as paradas LGBT representassem espaços de defesa intransigente dos interesses da classe trabalhadora, empresas como a Uber não se sentiriam confortáveis em financiar esses espaços.
Além disso, o financiamento de empresas não acontece como algo neutro, sem interesses particulares e que não exerce influência sobre a configuração de uma parada LGBT. Na prática, cria-se pouco a pouco um espaço de defesa do discurso antipartidário – antessala do discurso da antipolítica. Por meio de discursos como esse, a pauta LGBT é entendida como isolada de todas as outras, como uma pauta que atravessa limites políticos e que deve aceitar ajuda de quem quiser ajudar. O problema é que nem todos querem verdadeiramente ajudar. Para a burguesia e seus grupos políticos representantes, se trata, na verdade, de higienizá-la, torná-la confortável à ordem, tirar dela a radicalidade que realmente transforma a realidade social. Conduzir processos como esses, significa excluir os interesses das LGBTs da classe trabalhadora e viabilizar seus interesses próprios. A Parada do Orgulho LGBT de São Paulo é também financiada por empresas como Uber, Skol, Burger King, etc. ao mesmo tempo em que coloca Stonewall como tema, cerceia a possibilidade de falas políticas e boicota carros de som de centrais sindicais como a CUT. A justificativa é de que essas medidas retiram o caráter “chato” da parada.
Em Porto Alegre, nos preocupa a aproximação da Parada de Luta LGBTI de grupos como a “Diversidade Tucana” (núcleo LGBT do PSDB) e figuras como Dani Boeira, presidente estadual da “Diversidade Tucana”, coordenador estadual da “Aliança Nacional LGBTI+” e Coordenador Municipal da Diversidade Sexual e de Gênero da Prefeitura na atual gestão de Marchezan, o prefeito privatista do PSDB. Como um partido como o PSDB pode reivindicar qualquer tipo de luta LGBT? Além de ser um partido historicamente contrário aos interesses populares e à soberania nacional, é um partido que em grande parte apoiou Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018 (isso inclui o prefeito Marchezan e o governador do estado, Eduardo Leite). É também um partido que defende a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência e o projeto Escola Sem Partido. Além de que suas bancadas em várias cidades e estados votaram contra a discussão de gênero e sexualidade nos Planos de Educação, e tanto Dani Boeira quanto Marchezan se posicionaram como favoráveis à censura da exposição Queermuseu.
A presença de grupos como a Aliança Nacional LGBTI+ na organização de uma parada LGBT torna até mesmo o grito Fora Bolsonaro vazio de conteúdo político. A LGBTfobia do governo Bolsonaro não é algo isolado, não se trata meramente de um presidente preconceituoso. A LGBTfobia faz parte do projeto desenvolvido por esse governo para o país, do pânico moral anticomunista, dos ataques aos direitos histórica e duramente conquistados e às liberdades democráticas. Se opor à LGBTfobia sem se opor a esse projeto é não se opor de fato ao governo Bolsonaro.
Se a esquerda que trata a questão LGBT como isolada da questão de classe já não é capaz de avançar contra os retrocessos, ela se torna ainda mais afastada dos interesses da nossa população ao se aliar a direita. Direita essa que procura cooptar o movimento LGBT, chegando ao ponto de defender a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência como benéficas a nós, como é o caso da “Diversidade Tucana”. Enquanto defendem a destruição dos direitos trabalhistas, da previdência e da educação, tentam nos empurrar a ladainha neoliberal do empreendedorismo[6] e da “meritocracia” como solução para nossos problemas.
Vivemos um momento no qual as nomenclaturas servem para dissuadir. Grande exemplo disso é o projeto proposto pelo governo de Bolsonaro e Mourão com o nome de “Future-se”, quando, na verdade, representa grande retrocesso para o povo brasileiro. Se o nome dado à parada é “de luta”, então que seja devida essa caracterização! As paradas LGBT do Brasil e do mundo devem ser constituídas sobre fortes preceitos de luta e enfrentamento contra o sistema capitalista! É fundamental que a população LGBT trabalhadora possa se reconhecer enquanto classe trabalhadora; enquanto grupo que se consolida a partir da luta. As paradas, bem como a integralidade da nossa luta, devem ser radicalmente de esquerda e centralmente anticapitalistas! Não devemos nutrir ilusões! É preciso que nos coloquemos veementemente contra o oportunismo e a direta! LGBTs têm classe e, por isso, a luta LGBT deve ser frontalmente alinhada à luta negra, feminista, sindical, estudantil, do campo e, essencialmente, à luta da classe trabalhadora!
Por pão, trabalho, terra e moradia!
Pelo Poder Popular!
Pelo Poder Popular!
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Notas:
[1] https://pcb.org.br/…/donos-da-uber-nadam-em-dinheiro-as-cu…/
[2]https://pcb.org.br/…/a-greve-dos-motoristas-da-uber-e-a-lu…/
[3]https://exame.abril.com.br/…/reforma-trabalhista-e-uberiza…/
https://www.brasildefato.com.br/…/como-a-reforma-trabalhis…/
[5]https://www.facebook.com/…/a.840464609394…/993335104107452/…
[6] https://pcb.org.br/…/a-greve-dos-motoristas-da-uber-e-as-i…/
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