por José Arthur Giannoti
ensaio em PDF/1974
I. Levantando um problema
Na conduta do organismo mais simples estamos habituados a decifrar um sentido. Desde logo vemos os braços da ameba, ao se apropriar de um alimento exterior, como o movimento de um sujeito que, de uma forma ou de outra, controla suas relações com o meio ambiente. Subsumidas todas as respostas sob essa categoria totalizante de sujeito, não há dificuldade alguma em situar cada movimento num contexto mais amplo, onde cada operação fica dotada de uma certa transcendência, de uma certa finalidade, que a transforma na encarnação de um universal qualquer. O movimento de apanhar a comida vale no interior do processo de sobrevivência e de reprodução, em vista de um programa como até os biólogos aprenderam a dizer. Por isso o comportamento se dá como signo, presença individualizada de uma regra, de uma norma ou de um valor.
O behaviorismo radical, no entanto, ousa assumir uma perspectiva completamente diferente. Em nome do método que lhe parece altamente comprovado pelo sucesso das ciências físicas, recusa a intervenção indevida da ideia da finalidade, rejeita o papel totalizante do sujeito, para propor-se a tarefa, aparentemente tão absurda, de esquecer por um momento que a conduta é uma resposta do organismo como um todo. Retira desse todo qualquer função explicativa, a fim de ater-se ao comportamento como tal e submetê-lo a uma análise estritamente científica. E se for necessário chegar ao todo, isso só será feito depois de passar pela análise cuidadosa das partes e de suas interações. Daí romper com a tradição idealista que, no fundo, está sempre prestes a reconhecer em cada ser vivo o símile degradado da consciência de si. Mas também rompe com os hábitos mais arraigados da linguagem cotidiana, onde um sujeito é visto operando num meio, com o fito de transformá-lo em seu proveito. Testemunham-no os verbos transitivos, cuja leitura finalista é evidente.
Compreende-se a importância do método para o behaviorismo. É preciso justificar essa ruptura com a tradição e com a linguagem, fundamentar essa recusa da categoria de finalidade justamente no terreno onde ela se torna mais evidente, no terreno da ação, onde os fins parecem ter precedência sobre os meios e a ideia prevalecer sobre as instâncias individuais. Só a mais estrita fidelidade a um método tantas vezes confirmado no campo de batalha das ciências naturais poderia converter a psicologia e as disciplinas sociológicas afins numa ciência, expurgando delas todos os traços da explicação ultrapassada. Resultado que só se obteria com muito esforço, graças a uma verdadeira conversão de nossos hábitos cotidianos. Pensamento radical, o behaviorismo assume então muitas vezes as feições de uma seita, cujas primeiras etapas da iniciação começam no laboratório, quando o estudante aprende literalmente a ver, cuidando para que nenhuma forma de antropomorfismo se infiltre em suas descrições estritamente objetivas.
No behaviorismo interessa-nos o caminho que inverte a tradicional relação entre o sujeito e o objeto, na medida em que, em lugar de privilegiar a operação finalista do primeiro sobre o segundo, transfere para o meio ambiente a função de determinar e moldar o comportamento. Agora todo o peso da explicação recai no modo pelo qual cada resposta se ajusta a uma dada trama objetiva. Mas no metabolismo do ser vivo com o meio, as respostas terminam por submeter-se a um processo que tanto as constitui quanto enforma o próprio meio, que, perdendo suas características em si, passa a integrar-se como um momento do próprio processo de subsistência e adaptação. Cabe estudar no pormenor essa inter-relação complicada e examinar até que ponto a noção de comportamento está apta a cumprir suas promessas. Porquanto, a partir da resposta individualizada para chegar à conduta do organismo em geral implica em caminhar analiticamente da parte para o todo, do simples para o complexo, sem que em nenhum momento esse todo deva intervir no estudo da parte. Só assim se justifica o reducionismo, a posição epistemológica que pretende reconstruir todas as ciências do homem na base de uma teoria psicológica comum, tendo “comportamento” como categoria elementar.
Posta na raiz de uma árvore de ciências, essa noção não serve apenas para expurgar da psicologia qualquer explicação finalista. Funciona, ademais, como ponta de lança contra a doutrina dos estados de consciência, onde cada representação mental subsume, como uma ideia no sentido kantiano, uma série de movimentos do corpo, emprestando-lhe um sentido. Pretende abolir a oposição entre interioridade mental e exterioridade objetiva, e por isso quer descrever todo tipo de ação, graças a expressões emprestadas da Física, pensado o real numa única e exclusiva dimensão. Daí relacionar-se com uma ontologia que pretendemos esclarecer. Alguma coisa, porém, deve ser posta no lugar da ideia, ou melhor, deve cumprir seu papel de subsumir a diversidade de instâncias sob um universal qualquer. Veremos como a noção de classe vem desempenhar essa função. E com isso estaremos examinando como uma grande parte dos psicólogos e cientistas sociais contemporâneos opera com uma noção cujo alcance nem sempre está completamente explicitado. A partir disso não se tornará mais fácil indicar os pontos de transição em que a análise científica dos dados experimentais se converte em ideologia?
Voltar ao concreto, ao comportamento mais elementar, e daí estender um ponte até as ações humanas mais sofisticadas se afigura uma tarefa fascinante e promissora. Vale a pena submetermo-nos a essa disciplina, propondo, até quando possível, o caminho da crítica interna. De nada adiantaria assumir desde logo uma posição que o behaviorismo põe em xeque; nem contribuiríamos para o avanço da ciência, nem chegaríamos a uma melhor compreensão de nossos próprios pontos de vista. Convém aceitar sua proposta e caminhar a seu lado, buscando entender seus pressupostos. Mas este ofício de relojoeiro de teorias encontra dificuldade quando trata de ciências sem paradigmas, como hoje se costuma dizer. O behaviorismo não forma uma doutrina unívoca, não possui um corpo de proposições aceito por todos, que pudesse servir de base para o estudo de suas raízes. Define-se muito mais por sua reação contra a psicologia cognocivista, contra a doutrina dos estados mentais, do que pela circunscrição de um terreno próprio. Não basta encerrar-nos dentro dos limites da análise da conduta quando, por exemplo, podemos ver essa conduta precedida de uma representação. A própria noção de comportamento pode ser lida diferentemente, de sorte que ficaríamos sem objeto preciso e instrumentos adequados de análise, se nos movêssemos no vasto terreno da Psicologia experimental, onde cada corrente costuma recortar sua parte sem ter o cuidado de atentar para os compromissos de ordem epistemológica e ontológica que tal corte implica. Daí a necessidade de nos restringirmos a escritos que apresentam a mesma assinatura. Em virtude de sua posição estratégica no campo da psicologia contemporânea, de seu radicalismo que procura excluir qualquer compromisso, escolhemos a obra de B. F. Skinner, cuja trama no servirá então de fio condutor de nossas considerações a respeito da noção de comportamento.
II. O projeto operacionalista de Skinner
A obra de Skinner está marcada pelo radicalismo. Numa época que nos acostuma à meia luz, que nos leva a aceitar edifícios teóricos erguidos com o auxílio de categorias mistas, muitas vezes provenientes de pontos de vista incompatíveis, ela procura chegar à raiz das coisas, construindo pacientemente seus conceitos e seus métodos com uma pertinácia à toda prova. Toma seu ponto de partida no exclusivismo metodológico do operacionalismo, que Skinner define como “a prática de falar sobre 1) as observações de alguém; 2) os processos de manipulação e de cálculo envolvidos para realizá-las; 3) os passos lógicos e matemáticos que intervêm entre as primeiras proposições e as posteriores e 4) nada mais” (1959, p. 272). Tem muita importância esse quarto item negativo. Já que até agora o operacionalismo não logrou definir adequadamente a definição, entender convenientemente a própria noção de operacionalidade etc., dele sobra antes de tudo o exercício de relacionar os conceitos a suas bases operacionais, com o fito de excluir qualquer interferência de considerações especulativas. Como consequência natural temos a desvalorização da teoria, tomada como uma “explicação qualquer de um fato observado que recorra a acontecimentos ocorridos em outro lugar, em outro nível de observação, descritos em termos diferentes e medidos, caso o sejam, em dimensões diferentes” (1959, p. 39). Isto não significa a recusa de qualquer enunciado teórico, o que redundaria na impossibilidade de enunciados universais e, por conseguinte, da própria ciência, mas, como aliás explicita o prefácio de Contingencies of Reinforcement, no abandono do método hipotético-dedutivo, de conjuntos arquitetônicos cujas proposições teóricas não sejam passíveis de confirmação experimental.
Não nos importa aqui examinar se é viável esse avaro projeto de reduzir a trama da teoria à interrelação de conceitos experimentalmente definíveis. Vale a pena, contudo, salientar desde o início que os enunciados teóricos passam a se referir a acontecimentos do mundo, exclusivamente descritos em termos físicos; tudo o que acontece passa a existir num único nível de realidade, no mundo da Física (1953, p. 139; tr. p. 85b), que comporta tanto os objetos dos enunciados científicos quanto os próprios enunciados. Nesse contexto, porém, como pode inserir-se o comportamento entendido como um processo?
É costume descrever a ação, em particular a ação do homem, irremediavelmente vinculada à obtenção de um fim. O agente visa um conteúdo, um valor, uma regra, que modula sua conduta como um paradigma, cujo efeito recai sobre o comportamento concreto. É para evitar explicações animistas desse tipo, diz Skinner, que a ciência deve limitar-se a estabelecer relações funcionais entre classes de fenômenos, tendo o cuidado de eliminar, de um lado, qualquer recurso a um fim, e, de outro, qualquer vínculo material entre a causa e o efeito. Nesta busca, o cientista se vê pressionado por duas exigências. Primeiro, cuida de estabelecer uma classe de fenômenos que não seja inteiramente arbitrária e que, lembra Skinner a respeito do intercâmbio do organismo com o ambiente, leve “em consideração as linhas naturais em que o comportamento e o meio se fragmentam de fato” (1959, p. 437). Segundo, precisa interromper sua investigação das causas, quando todos sabemos ser esta procura infindável, prosseguindo conforme avança a acuidade da análise. Para os defensores da explicação finalista não existe esta dificuldade de enumerar os antecessores causais de um fenômeno, pois o fim é anterior ao efeito e as variáveis a serem consideradas ganham importância exclusivamente em relação a ele. É em vista da racionalidade do comportamento em relação a ele. É em vista da racionalidade do comportamento em relação ao fim pressuposto que os fatores determinantes do fenômeno são escolhidos. Como Skinner selecionará as variáveis importantes, já que para ele a finalidade carece de sentido? Simplesmente tomando as variáveis que permitam exercer um controle sobre o comportamento estudado, ou aquelas que facultam ao próprio organismo modelar o ambiente. Dessa ótica, o real é o efetivo, o manipulável. E Skinner tem o mérito de tentar construir um edifício teórico onde a realidade e manipulabilidade se confundem, com a exclusão de todas as outras formas possíveis de ser. Desaparece assim qualquer diferença significativa entre a coisa percebida no cotidiano e o conjunto de moléculas que a Física põe no lugar dessa coisa, entre a luz colorida e um determinado comprimento de onda. E desaparece também qualquer diferença entre a essência de um fenômeno e o seu aparecer, pois a essência e a aparência são dois modos do mesmo real, a primeira possuindo a única virtude de salientar uma uniformidade que a segunda é incapaz de mostrar.
O procedimento analítico que vai do simples ao complexo, graças à mera justaposição das partes, é uma consequência imediata dessa interpretação da realidade. Nada separa o animal do homem a não ser o emaranhado tremendo dos mesmos fatores. “O comportamento humano se caracteriza por sua complexidade, sua variedade e por suas maiores realizações, mas os princípios básicos não são por isso necessariamente diferentes. A ciência avança do simples para o complexo; constantemente tem que decidir se os processos e leis descobertos para um estágio são adequados para o seguinte” (1953, p. 38; tr. p. 30a). Por certo o homem não é um rato. Tendo em vista, entretanto, que os métodos e os conceitos desenvolvidos no estudo de organismos inferiores têm se mostrado frutíferos na análise do comportamento humano, convém, para saber onde reside a diferença, investigar primeiramente o que é comum a ambos. Partido aliás que se revela muito mais profícuo do que esperava a psicologia tradicional (1969, p. 101). Desse modo, reducionismo psicologista e reducionismo ontológico se completam mutuamente. Porque o ser é dito de uma única maneira, os fenômenos são apenas ou mais simples ou mais complexos, e os fatores se justapõem uns aos outros sem que essa justaposição venha interferir na forma pela qual um se relaciona com o outro.
É nesse contexto que se dá a exclusão de todos os estados mentais: “A objeção aos estados interiores não é a de que eles não existem, mas de que não são relevantes para uma análise funcional. Não é possível dar conta do comportamento de nenhum sistema enquanto permanecemos inteiramente dentro dele; eventualmente será preciso buscar forças que operam sobre o organismo agindo de fora. A menos que haja um ponto fraco no encadeamento causal, de modo que o segundo não seja determinado pelo primeiro, ou o terceiro pelo segundo, o primeiro e o terceiro elos devem ser regularmente relacionados. Se devemos sempre retroceder além do segundo elo para previsão e controle, evitar-se-ão muitas digressões enfadonhas e exaustivas, examinando-se o terceiro elo como função do primeiro” (1953, p. 35; tr. p. 28a/b - modificada). Do ponto de vista da experiência, uma variável de tipo mental parece tornar-se necessária como um termo teórico ligando duas variáveis de tipo físico. Não há dúvida, afirma Skinner, de que existem fenômenos que se desenrolam no interior do envólucro formado por nossa pele; a questão reside, em primeiro lugar, se temos acesso a eles, mesmo que seja de um modo indireto. Já que o simples fato de existirem no corpo não elimina seu caráter físico, cabe investigar se desempenham ou não um papel causal. A questão porém é cortada pelo critério da eficácia: desde que uma determinada resposta possa ser controlada e prevista exclusivamente pela consideração e manipulação de variáveis de caráter físico, não há porque pressupor a intervenção de fatores de outro tipo. Estes caem sob a ação da navalha de Occam.
No entanto, numa outra frente, a polêmica contra os estados de consciência atinge a própria natureza da representação. Diante da necessidade de explicar o conhecimento de uma coisa ausente, os primeiros filósofos gregos tomaram a visão como paradigma da análise do comportamento em geral e imaginaram que o homem construísse mentalmente uma cópia da coisa, uma espécie de pós-visão do objeto visto, que fornecesse uma antevisão daqueles que voltariam à nossa presença. Nasce assim a teoria do estado de consciência como representação, representação da presença por meio de uma cópia: “Os gregos não podiam explicar como alguém pudesse conhecer, por exemplo, um objeto do outro lado da sala. Seria ele alcançado e tocado por uma espécie de antena invisível: Ou nunca estaria em contato com ele, mas apenas com uma cópia sua no interior do próprio corpo? Platão sustentava a teoria da cópia com a metáfora da caverna. Talvez o homem nunca visse o mundo real mas unicamente suas sombras na parede da caverna em que reside prisioneiro. Cópias do mundo real projetadas no interior do corpo poderiam compor as experiências que conhece diretamente. Uma teoria semelhante explicaria também como se vê objetos que ‘não estão ali realmente’, como as alucinações, as pós-imagens e as lembranças. Nenhuma explicação é por certo satisfatória. Como a cópia surge à distância é, ao menos, tão enigmático como conhecer um objeto à distância. Ver coisas que não estão ali realmente não é mais difícil do explicar a ocorrência de cópias das coisas que não estão ali para serem copiadas” (1969, p. 231). Seja qual for a validade dessa leitura do mito da caverna, resta o argumento que põe em xeque a primazia do ato de ver na interpretação do comportamento em geral. Por que pressupor que a visão implica na coisa vista? De uma perspectiva objetiva, fora do terreno movediço da introspecção, o ato de ver só pode ser considerado um movimento do organismo, de sorte que se deve atentar apenas para aquilo que a psicologia mentalista toma como as consequências da visão. Essas consequências, aliás, são possíveis independentemente da existência da coisa vista, desde que provocadas por variáveis físicas diferentes: o movimento de voltar a cabeça para um ponto luminoso, por exemplo, pode ser provocado tanto pela luz quanto por um som que a ela foi associado. Daí não ser mais do que um metáfora infeliz pensar o comportamento como se fosse uma moeda, a que um lado correspondesse uma ação real do organismo, ao outro, uma imagem diáfana da coisa sobre a qual essa ação se dirigisse. Não há dúvida de que quase todo comportamento manifesto pode ser reproduzido no interior do próprio organismo. Não é por isso, todavia, que essa reprodução adquire um estatuto especial, pois se resolve numa ação como outra qualquer, que se realiza apenas num lugar de acesso difícil e com menor intensidade. O que carece de sentido é propor uma cisão no comportamento, cuja vinculação posterior fica a cargo da ideia muito enigmática de representação.
III. Estímulo e resposta como classe de equivalentes
Como entender essa ação? Convém evitar o engano da explicação tradicional. Esta só ganha sentido no campo epistemológica marcado pelo aparecimento da física moderna, quando a interação das forças brutas necessita do complemento da ação moral. Um dever-ser precisa então contrapor-se ao ser a fim de que todo o espaço de mudanças em geral, físicas ou mentais, possa ser coberto. Mas, salienta Skinner, hoje nossas máquinas são muito diferentes daqueles conhecidas por Descartes, o primeiro a dar um passo no sentido de reduzir a espontaneidade das criaturas, graças à sua ideia de animal-máquina, precursora do behaviorismo contemporâneo. De um lado, máquinas como os computadores imitam operações do ser vivo, de outro, sabemos com muito maior precisão que condutas, aparentemente livres, decorrem de causas específicas. Ver o comportamento unicamente como ação sobre o meio ambiente, traz, pois, em si a tentativa de resolver o antigo antagonismo entre necessidade brutal e liberdade moral, cujo sentido se perde na medida em que a explicação mecanicista entra em declínio.
No entanto, “comportamento”, aliás como todas as categorias iniciais de uma ciência, não possui uma definição unívoca. Embora constitua uma característica essencial do ser vivo, a ponto de identificar-se com ele (1953, p. 45; tr. 33a), não se confunde com uma reação orgânica qualquer. Não convém tomar como comportamento respostas do tipo daquelas fornecidas pela maioria das glândulas, nem as contrações de um músculo liso. Isto porque a noção de comportamento tem como pressuposto um intercâmbio com o meio que de certo modo seja produtivo, a saber que situe estímulo e resposta numa determinação recíproca. Nada disso está explícito nas formulações de Skinner, mas decorre de sua concepção do comportamento como um fazer (1938, p. 6; 1959, p. 337), que envolve a ação de organismo como um todo. A dificuldade reside em interpretar esse fazer. Felizmente, para o desenvolvimento de uma ciência, não se torna necessário partir de uma definição precisa de suas categorias elementares; Ao menos, do ponto de vista do empirismo. Basta circunscrever o terreno com uma definição geral e procurar definir espécies bem delimitadas, como comportamento respondente ou operante, afim de abrir o caminho para pesquisas que tragam novas informações. Não cabe suspeitar, entretanto, que certas opções iniciais marquem o próprio rumo da investigação , excluindo leituras alternativas?
Passemos à análise da primeira foram de comportamento. A descoberta de que a causa da salamandra, separada do corpo, continua a reagir a certos estímulos, inspira a primeira interpretação mecânica do comportamento, dando origem à noção de reflexo. Como defini-lo é um problema que Skinner se propõe desde o início de sua carreira. Importa-nos sobretudo The Generic Nature of Concepts of Stimulus and Response, publicado em 1935 e republicado em Cumulative Record.
Tendo sido realizados em laboratório de fisiologia, os primeiros estudos sobre reflexo puderam contar com as vantagens de uma preparação minuciosa. Foram tomados reflexos relativamente simples, como a flexão e a salivação, cujos momentos, além do mais, podiam ser isolados com relativa facilidade. É conhecida, por exemplo, na experiência célebre de Pavlov com o cão, a pequena cirurgia que permite drenar a saliva diretamente para um vaso coletor. Assim é possível obter-se uma grande reprodutibilidade do fenômenos, não sendo difícil discriminar as respostas equivalentes. O problemas se complica quando queremos estender o conceito de reflexo para o comportamento global do organismo, pois então se torna difícil reencontrar essa reprodutibilidade. Quais são as determinações que permitem distinguir a mesma resposta diante de um mesmo estímulo, em se tratando de animais intactos, agindo constantemente sobre o meio e sofrendo deste meio toda a sorte de influência. Se obedecêssemos às estritas exigências da reprodutibilidade poderíamos ser conduzidos a uma solução muito radical e por isso inconveniente. Muitas propriedade do estímulo e da resposta não são importantes para a eliciação do reflexo; na flexão, por exemplo, só contam a redução do ângulo do membro em questão e certo tipo de estimulação “prejudicial”, aplicada numa área determinada. Não são considerados o tipo de músculo que intervém no processo, nem a direção da flexão e assim por diante. O mesmo vale para o estímulo. Se pretendermos apenas obter a eliciação, a reprodutibilidade poderia ser obtida se tomássemos exclusivamente a correlação entre duas propriedades definidoras, a que define o estímulo e a que define a resposta. Só elas, de fato, se conservam inalteráveis de experimento a experimento. “Mas seria inconveniente”, continua Skinner, “tomar o reflexo como uma correlação de propriedades. Não podemos produzir uma propriedade definidora numa dada eliciação sem atribuir valores acidentais às propriedades não-definidoras que compõem o resto do acontecimento. Um estímulo ou uma resposta é um acontecimento, isto quer dizer que não é uma propriedade; de sorte que devemos recorrer a uma definição baseada no princípio de classes. Assim sendo, se continuarmos a olhar o reflexo da flexão como um entidade singular, tanto os estímulos como a resposta devem ser tomados (ao menos num ocorrência) como termos de uma classe, cada uma abarcando um número indefinidamente amplo de estímulos particulares ou respostas, sendo contudo definida graças à especificação de uma ou de duas propriedades” (1959, p. 349). Não há melhor exemplo de como o empirismo constrói seus objetos e seus conceitos. O reflexo se resolve numa relação entre dois termos simples, o estímulo e a resposta. Qual é porém a natureza desses termos? Deixemos de lado o estímulo, pois o que for dito da resposta vale mutatis mutandis para ele. Dentre as várias respostas é possível selecionar uma ou mais propriedades invariáveis durante o processo, e convertê-las numa definição. A resposta é desse modo uma classe de equivalentes, cuja única determinação provém da semelhança de seus membros. Essa classe obviamente não possui realidade autônoma, só existem os seus membros, na qualidade de reunião de propriedades essenciais e inessenciais. É de notar porém que entre as propriedades definidoras e as não-definidoras ocorre uma justaposição de determinações indiferentes entre si, sem que uma propriedade definidora assuma ipso facto um estatuto peculiar. Apenas umas são mais frequentes que as outras, isto bastando para que o cientista possa operar o corte entre elas. No entanto, uma não pode existir sem a outra, já que a resposta é um acontecimento e não um feixe de propriedades.
É possível excluir a intervenção das propriedades não-definidoras pensando a correlação entre estímulo e resposta como uma unidade independente, transformando assim o reflexo numa classe praticamente infinita de correlações. No que essas opções se diferenciam? “Podemos contrastar esses dois pontos de vista dizendo que o reflexo ou é um termo amplo expressando a correlação duma classe de estímulos com uma classe de respostas (onde não importa a reprodutibilidade das propriedades não-definidoras) ou se aplica a um grupo de correlações particulares (onde os termos forma severamente restringidos a fim de se obter a reprodutibilidade de todas as propriedades). No segundo caso, podemos ainda agrupar nossas correlações específicas na base de uma propriedade definidora sem supor a natureza genérica e funcional de um estímulo ou de uma resposta: mesmo que haja praticamente um número infinito de reflexos de flexão, por exemplo, todos possuem algo comum que não é partilhado por nenhum outro, porquanto suas respostas são exemplos de flexão” (1959, p. 349/50). Nesse contexto, o problema se coloca da seguinte maneira: é o reflexo um correlação entre classes ou uma classe de correlações? A primeira solução implicaria em recorrer a propriedades não-definidoras, a segunda as eliminaria; no entanto, ambas restringem demasiadamente o campo dos fenômenos a serem estudados. Em relação a essa oposição formal, o que dizem os fatos? Vejamos alguns deles.
Parece conveniente tomar como propriedades definidoras de um estímulo, por exemplo, todas aquelas que eliciam uma resposta. Suponhamos que se estabeleça um reflexo condicionado de tal modo que a incidência de um raio luminoso numa área da retina provoca uma resposta qualquer. É possível mostrar que o raio, incidindo noutra área, produzirá o mesmo efeito. Percebe-se, pois , não ter importância a localização da incidência, de sorte, que esta propriedade pode ser descartada, embora seja evidente a necessidade do raio luminoso tocar a retina num ponto qualquer. Acontece, porém, que a grande vantagem do reflexo condicionado consiste na substituição de estímulos: o raio luminoso, por exemplo, cede lugar ao som. Agora a dificuldade se complica. Não poderíamos encontrar na luz e no som propriedades semelhantes que pudessem naturalmente e por si definirem uma classe, pois a “equivalência” de ambos na eliciação da resposta depende da história do condicionamento do organismo. Como nem sempre conhecemos a história desse condicionamento, fica o critério prejudicado. Mas nem por isso deixa de ser posto o problema crucial do sentido dessa equivalência. Para a eliciação da resposta o que significa um mesmo estímulo, quando o som e a luz podem igualmente provocá-la? Em The Behavior of Organism, Skinner insiste na necessidade de se dar ao estímulo e a resposta uma definição funcional, salientando a dependência de um em relação ao outro. Não conviria refletir melhor no significado dessa dependência?
Voltemos porém aos fatos. Em lugar de nos atermos à equivalência no processo de eliciação, parece mais frutífero, para isolarmos finalmente as propriedades definidoras, recorrer às características dinâmicas do próprio reflexo. Se pretendermos medir uma taxa de resposta, o número de eliciações do reflexo constitui um dado fundamental. Torna-se assim possível testar a importância duma propriedade não-definidora mostrando que duas respostas, uma que a contém e outra que não a contém, contribuem igualmente para manter a taxa em questão. As respostas podem então ser escolhidas aleatoriamente, isto é, por circunstância independentes das condições que determinam a taxa. Os membros da classe de respostas são igualmente eliciáveis pelo estímulo e, além do mais, quantitativamente substituíveis entre si. A uniformidade das alterações da taxa exclui qualquer suposição de estarmos tratando com um grupo de reflexos separados e nos leva a concluir que o estímulo e a resposta respectiva constituem um reflexo unitário. Assim não será difícil distinguir a correlação entre a luz e uma resposta e a correlação entre o som e a mesma resposta, desde que a extinção de uma não modifique a medida da outra.
Este critério, baseado no dinamismo do reflexo, seria inquestionável se não surgisse a dificuldade da generalização, isto é, a interferência dos estímulos semelhantes na produção da resposta. Todos sabemos que um pombo condicionado a bicar um disco vermelho bicará outro disco amarelo do mesmo tamanho, embora com menor frequência. Isto obriga a nuançar e especificar a correlação dinâmica, na medida em que demonstra importância de certas propriedades não-definidoras no desencadeamento do reflexo, desde que desapareçam as definidoras. E sabemos que aquelas propriedades diminuem a reprodutibilidade.
Obviamente não nos importa aqui inventariar todos esses fatos. Basta lembrar o resumo feito pelo próprio Skinner: “a) existem propriedades definidoras (que não são rigorosamente descritas) estabelecendo grandes classes de estímulos e respostas; b) especificando outras propriedades é possível montar outras classes menos compreensivas numa série progressiva ou num conjunto de ramificações que se estendem das grandes classes até entidades completamente restritivas (esta últimas não sendo necessariamente operacionais); c) entre dois membros dessa família podemos demonstrar uma indução e mostrar que é função do grau com que as entidades possuem suas propriedades em comum; d) restringindo a preparação obtemos maior consistência dos resultados porque, de acordo com c tornamos duas eliciações sucessivas passíveis de virem a ser mais semelhantes entre si, mas e) algumas propriedades não possuem qualquer importância relativa à indução, de sorte que na progressiva restrição da preparação é possível alcançar um ponto além do qual outras restrições não melhoram consistência, podendo ainda resultar no oposto” (1959, p. 366). Os dados experimentais se movem, portanto, entre os dois extremos formais configurados pela alternativa, ou classe de correlações ou correlações de classe. É no interior desse processo da experiência que a definição marca um compromisso entre esses extremos: “Reflexo é a correlação de um estímulo e uma resposta num nível de restrição marcado pela regularidade das mudanças na correlação” (1959, p. 360).
Para Skinner o problema da definição é pois, como ele o afirma explicitamente, experimental e se resolve na própria prática do laboratório. Nem por isso entretanto, deixa de colocar questões eminentemente filosóficas. Trata-se de circunscrever as unidades com que o cientista labora, mas nesse processo de delimitação tais unidades passam a relacionar-se umas com as outras de um modo que, a nosso ver, talvez não possa ser exclusivamente explicitado por meio de uma lógica de classes e das propriedades que as definem. No fundo, Skinner se submete à tradição empirista sem se aperceber que seus próprios resultados o levam adiante. Não cabe apenas mostrar que a definição do reflexo se faz por meio de um compromisso entre dois extremos formais, cabe ainda atentar para o tipo de relação em que a resposta e o estímulo foram colocados, ou melhor, para as formas de alteridade que implicam. Uma resposta não pode existir sem o estímulo correspondente; essa dependência real torna-se responsável pela dependência funcional das classes, expressa por meio do conceito de correlação. Esta pressupõe a existência de ambas as classes como perfeitamente definidas, edifica-se a partir desse pressuposto de existência. No entanto, justamente por causa de seu caráter formal, a correlação esquece essa dependência real que faz o estímulo e a resposta participarem do mesmo processo, inter-relação que, como vimos, intervém a toda hora na análise dos dados. Por sua própria natureza, uma correlação pode vincular significativamente os fenômenos mais díspares. Daí ser necessário, antes do cálculo dela, traçar os limites no interior dos quais pode ter valor explicativo. Ora, na medida em que o estímulo e resposta passam a existir um para o outro não deixam eles de ser definidos por meras propriedades e pelas classes que lhes correspondem? Uma propriedade é, com efeito, sempre propriedade de algo, de um sujeito substrato que a acolhe. Isto se exprime por seu caráter de função proposicional. A existência de uma coisa para outra não pode ser expressa, obviamente por uma propriedade, nem ainda por uma relação, cujo domínio e codomínio já estivessem previamente estabelecidos. Dizer que algo existe para importa simplesmente em dizer que este algo vem a ser neste seu relacionamento com o outro, o que fica negado quando se assume sua existência como um membro qualquer de uma classe. Nesse intercâmbio do estímulo com a resposta, um se determina pelo outro; nesse sentido a existência da resposta para o atributo não é uma propriedade dela, mas uma mera determinação que lhe advém de sua posição de dependência em relação ao estímulo.
IV. A probabilidade de resposta
A probabilidade de resposta constitui o “dado natural da ciência do comportamento” (1959, p.75), mas deve ser estimada a partir de frequências observadas. Esta passagem, contudo, nem sempre se faz sem levantar problemas. Vejamos um dos modelos mais simples desse círculo. Um pombo, num dado lapso de tempo, levanta três vezes a cabeça além de uma marca determinada. Seu aprisionamento numa caixa de Skinner e sua familiaridade com ela respondem pelo isolamento dessa conduta em relação a outras. Desse único dado, porém, não podemos extrair probabilidade alguma. É preciso, suponhamos, escolher um intervalo mínimo de tempo em que o evento pode ou não ocorrer: seja um segundo. Em cada minuto uma célula foto elétrica está pronta para registrar, durante o primeiro segundo, se a cabeça do pombo ultrapassou a marca escolhida. Podemos constatar assim que nas 10 observações mecânicas houve 3 sucessos e 7 fracassos, o que nos dá para a estimativa da probabilidade da resposta em questão o valor de 3/ 10, a saber nas condições dadas podemos observar que, em 10 vezes, o pombo pode ultrapassar a marca, em média, 3 vezes, dentro de certos limites de variabilidade.
Por certo o esquema de observação proposto não é o único, nem faz jus ao engenho dos estatísticos capazes de inventar muitos outros que venham cobrir situações mais complexas. Já nos serve, entretanto, para evidenciar dois pontos. Em primeiro lugar, vemos que a probabilidade não é um dado bruto nem uma propriedade observável da resposta, mas exclusivamente uma relação do observador com um conjunto de informações que, embora incertas, não deixam de se situar dentro de fronteiras perfeitamente delineadas. Desde logo, por exemplo, fica claro que, na experiência do pombo, a cabeça estará acima ou abaixo da marca. Noutras circunstâncias, se a marca possuir espessura considerável, haverá então três casos: acima, abaixo ou na própria marca. Isto significa que a aplicação do conceito de probabilidade depende de um postulado de existência: dá-se por suposto que existe o conjunto globalizando todos os sucessos e todos os fracassos. Não hã dúvida de que se trata aqui de uma existência matemática, os acontecimentos futuros existem na medida em que podem ser perfeitamente identificados. Voltando ao caso do movimento do pombo, estamos sempre admitindo que a cabeça estará acima ou abaixo, para pensarmos dicotomicamente. Mas com isso estamos assumindo que em cada observação seja possível decidir se há sucesso ou fracasso — está sempre à mão a possibilidade de identificar como um gênero o movimento da cabeça.
Em segundo lugar, cabe levar em conta a dificuldade de estimar a probabilidade na base das frequências observadas; já que as instâncias devem ser independentes, isto é, se repetirem sem a interferência de fatores estranhos ao processo. Ora, essa é uma exigência que o próprio Skinner reconhece difícil de ser preenchida até mesmo nas condições ideais do laboratório. Durante a observação não estão sempre intervindo novos elementos? “Para vários propósitos, podemos contentar-nos com a taxa de resposta, mas isto é impraticável quando uma instância singular do comportamento é atribuída a mais de uma variável. Problemas semelhantes aparecem, juntamente com outros, quando a probabilidade é inferida da ocorrência ou não-ocorrência duma resposta numa dada prática (‘trial’). O comportamento efetuando-se num ponto da escolha não provê medidas independentes das probabilidades associadas com as escolhas. Um rato pode virar à direita preferentemente do que à esquerda num labirinto em T, podemos entretanto inferir apenas que a virada para a direita era mais provável do que para a esquerda. A porcentagem de tiradas para a direita ou para a esquerda numa série de investigações não completará o cálculo, porque o organismo presumivelmente muda de investigação para investigação, sendo ainda menos úteis as medidas obtidas com grupos de ratos expostos às mesmas contingências” (1969, p. 91). Deixemos de lado todos os problemas, levantados por essa passagem, a fim de salientar apenas que, numa situação de escolha, é praticamente impossível isolar o fenômeno, pois o organismo aprende com seus erros. Seja como for, entretanto, não há dúvida de que o espaço das viradas, para a esquerda ou para a direita, está sempre definido, já que é em consideração a ele que a observação se faz.
Mas Skinner não conta com um recurso gráfico que parece superar todas essas dificuldades? No que concerne a refinamentos estatísticos condessa que sua psicologia não ocupa uma posição privilegiada: “Muito disso falta na análise experimental do comportamento, nela os experimentos são usualmente levados a cabo com poucos indivíduos, as curvas representando os processos comportamentais são raramente ponderadas, o comportamento atribuído a uma atividade mental complexa é analisado diretamente e assim por diante. O procedimento mais simples se torna possível porque a taxa de resposta e as mudanças dessa taxa podem ser observadas diretamente, especialmente quando representadas em registros cumulativos (‘cumulative records’). O efeito é similar ao aumento do poder de resolução de um microscópio; um novo objeto se abre de repente à observação direta. Métodos estatísticos são então desnecessários. Quando um organismo mostra um desempenho estável ou que se altera vagarosamente é, por muitos propósitos, perda de tempo avaliar a confiança com que o próximo estágio pode ser predito. Quando uma variável é alterada, observando-se um efeito no desempenho, é, para muitos propósitos, perda de tempo provar estatisticamente que essa alteração de fato ocorreu” (1969, pp. 110/111). O que porém nos fornece um registro cumulativo? Um gráfico em que se tornam visíveis as alterações de frequência, enquadrado por coordenadas onde se inscrever os casos possíveis. Isto significa que a confecção do gráfico já dá por resolvida a dificuldade de circunscrever os casos possíveis, isolando-os de todos os restantes. Em suma, dá por pressuposta a existência de um conjunto que englobe os sucessos e os fracassos.
Se no laboratório isto se torna difícil, o que dizer quando nos encontramos com fenômenos da vida cotidiana? Estudando as atividades de um indivíduo como um todo, Skinner analisa, por exemplo, o comportamento de resolver problemas. Define uma situação problema aquela em que existe uma resposta com certa probabilidade de emissão que não pode ser emitida, e resolução qualquer comportamento que, através da manipulação de variáveis, torna mais provável o aparecimento duma solução (1953, p. 246/7; tr. 143/4). Nessas condições o emprego do termo “probabilidade” nos parece um mero artifício retórico. Certos aros de metal intercruzados constituem um problema, exemplifica Skinner, se o comportamento de separá-los for forte e nenhuma resposta disponível o conseguir. A solução pode consistir em achar uma alavanca que aumente a probabilidade de separá-los. O comportamento de separar possui inicialmente uma probabilidade inicial p¹ que não pode ser emitida. Impotência muito ambígua, já que há de ser levada em conta como um fator no cálculo de p¹. A alavanca vem aumentar p¹ para p². O que porém estamos pressupondo ao atribuir uma probabilidade ao ato de separar os aros? Obviamente que sejamos capazes de distinguir os sucessos e os fracassos. Mas se o sucesso nada mais é do que a separação dos aros, o que vem a ser um fracasso? A não-separação não pode servir de traço discriminativo. Não há dúvida a respeito de qualquer tentativa dessa separação, mas o que dizer do comportamento de coçar a cabeça ou botar a mão no rosto assumindo uma atitude pensativa? O exemplo torna bem claro que não há uma fronteira nítida entre os sucessos e o resto dos acontecimentos do mundo que podem tornar mais provável o aparecimento de uma solução. Neste contexto, a linguagem da probabilidade tem o mesmo efeito quando afirmamos simplesmente ser provável que amanhã choverá, expressão que nesta sua forma simples nada tem a ver com uma probabilidade matematicamente definida. No entanto, esta extrapolação indevida serve de base para Skinner traduzir os termos da linguagem cotidiana, viciados pelo cacoete da finalidade, numa linguagem “objetiva”: o entusiasta de bridge é aquele que joga e fala sobre esse jogo frequentemente, o músico quem se ocupa frequentemente de música e assim por diante (1953, p. 62; tr. 42b). Mas daí a dizer que jogar bridge ou tocar música sejam comportamentos dotados de probabilidade nos parece um contrassenso. Que em determinadas circunstâncias essa probabilidade possa ser estimada não implica na justificação da doutrina de que todo comportamento a possua. No fundo, resta apenas a obsessão de reduzir tudo o que é tendência, virtualidade, a uma relação matemática, e os processos comportamentais, à manipulação de variáveis de tipo físico.
Ninguém está pretendendo que a psicologia experimental abandone o conceito de probabilidade de resposta, que neste nível representa a tentativa mais ousada de expurgar, da ciência do comportamento, os enganos da linguagem finalista e do antropomorfismo. Pomos em questão o reducionismo que julga legítimo pensar todas as formas de ação a partir de uma única matriz. E estamos mostrando que essa matriz supõe a existência de um conjunto de respostas, a possibilidade de discerni-las perfeitamente de outros acontecimentos, em suma, um critério de identificação de todos os comportamentos em jogo. Ora, uma descrição das condutas da vida cotidiana em termos de probabilidade de resposta não cumpre esse requisito mínimo.
V. O comportamento operante
No behaviorismo tradicional Skinner reconhece uma grave lacuna: “Nenhuma consideração do intercâmbio entre o organismo e o meio se completa até que inclua a ação do ambiente sobre o organismo depois que a resposta foi feita” (1969, p. 5). O ponto de partida constitui, pois, o relacionamento do animal com seu ambiente, mas agora visto de uma perspectiva muito mais ampla. Não se trata apenas de completar o antigo esquema do reflexo por considerações a respeito do feed-back que quase todo comportamento encerra, mas de perceber a existência de outra relação, centrada agora no processo de adaptação e de produção. “Uma formulação adequada do intercâmbio entre o organismo e seu ambiente sempre deve especificar três coisas: 1) a ocasião em que a resposta ocorre; 2) a própria resposta; 3) as consequências reforçadoras. A interrelação entre elas constitui as ‘contingências do reforço’” (1969, p. 7). Nossa intenção não é tanto estudar essas três coisas, mas nos deter no tipo de relação que implicam, notadamente na nova leitura da ideia de finalidade, implícita nessa relação. O novo behaviorismo não nega que o comportamento seja uma atividade orientada, que o pombo bica para obter alimento, que o menino pega a bola para jogar e assim por diante. Se esta de fato foi a intenção dos discípulos de Pavlov e Watson, que procuravam dar às condutas aparentemente finalistas uma interpretação mecânica, graças ao processo de substituição de estímulos na base de uma sinalização implícita, agora o problema é enfrentado diretamente, com a tentativa de mostrar que o fim anteposto nada mais é do que o efeito da conduta, isolado e posto a priori. Deste ponto de vista, a leitura finalista tradicional inverte a relação temporal, caindo no engano de pensar a ação como o efeito de um efeito subrogado, resultado de uma imagem mental que, em última instância, se resume na hipóstase de um resultado. Dado isso, torna-se fácil para ela recorrer a uma metáfora espacial, que nos leve a dizer que nos dirigimos para a praça, partimos de tal rua, ou simplesmente olhamos pela janela. Não seria mais correto simplesmente afirmar que experiências passadas fizeram com que a praça, a rua ou a janela reforçassem nossa conduta (1969, p. 107)? Trata-se pois, de pensar em que condições a aparência de finalidade encobre uma relação do comportamento com seu efeito, do retomar em suma a lei de Thorndike, na sua forma mais simples: o comportamento é cunhado (“stamprd in”) por suas próprias consequências.
No laboratório, o operante resulta de uma construção que toma um reforço contingente a uma resposta. A fim de isolá-la, convém escolher um comportamento relativamente simples — levantar a cabeça de um pombo, por exemplo — desimpedido e que possa ser repetido rapidamente sem fadiga. Em seguida, fixa-se no aparelho uma marca (uma craveira), que passa a ser o ponto de referência para o investigador apresentar o reforço. “O comportamento ‘levantar a cabeça’ , não importa quando ocorram instâncias específicas, é um operante. Pode ser descrito, não como um ato acabado, mas como um conjunto de atos definidos pela propriedade que a altura, até onde a cabeça for levantada, representa. Nesse sentido um operante se define por um efeito que pode ser especificado em termos físicos: a ‘craveira’ a uma certa altura é propriedade do comportamento” (1953, p. 65; tr. p. 44a). O fato dessa altura ser marcada de um modo arbitrário tem consequências importantes. De um lado, porque a taxa de resposta fica na dependência desse ato do investigador: varia conforme varia a altura da craveira. De outro, porque essa arbitrariedade rompe com a organicidade da resposta, vinculando-a a um reforço cujas leis de apresentação nada têm a ver com o contexto natural em que normalmente ocorre. Com isso permite estudar a própria natureza de seu vínculo com o reforço, ao mesmo tempo que dá ênfase a seu caráter espontâneo, isto é, não possuindo um antecedente situado no meio (1938, p. 20).
Lacey vê no operante o seguinte princípio P: “Se o organismo O tem uma certa resposta R em certas circunstâncias C, neste caso existe uma classe de respostas de O que contém R, tal que algumas das respostas anteriores dessa classe, nas circunstâncias C, foram seguidas de um estímulo reforçante”. E lhe aduz os seguintes comentários: “1) A classe de resposta deve ser definida em termos das características físicas das respostas. 2) C geralmente é especificado em termos de estado de privação ou motivação de O, operacionalmente definidos, e de estímulos discriminativos agindo sobre O. 3) Desde que a classe de respostas previamente reforçadas tenha sido especificada, o aparecimento de C torna provável uma resposta desta classe. 4) É necessário que um pequeno resíduo de respostas deixe de ser abrangido por P, porque o condicionamento operante aumenta a probabilidade de respostas já existentes. Mas se um grande número de respostas deixar de ser abrangido por ele, neste caso estará posta em dúvida a generalidade do princípio de condicionamento operante” (Lacey, 1971, p. 140). Posto nestes termos, não lhe é difícil verificar a não falseabilidade de P, contrariando as exigências radicais do operacionalismo. Mas o maior problema, a nosso ver, não é falseabilidade de P, mas como se especifica a classe de respostas O por meio de um processo em que O, C e R perdem suas características em si para se definirem como momentos dele. Definir operante exclusivamente em termos de classe não pode levar ao engano de pensá-lo a partir de uma ótica predominantemente topográfica, salientando as propriedades da resposta em prejuízo das características dinâmicas do próprio processo? E Skinner não deixa de estar atento às mutações dos elementos na medida em que participam do movimento do processo: “Um estímulo não é mais meramente o começo ou o fim manifesto de uma troca de energia como na fisiologia do reflexo; é qualquer parte da ocasião em que a resposta é emitida e reforçada. Reforço é muito mais do que ‘ser gratificado’; uma probabilidade prevalecente do reforço, particularmente sob vários esquemas intermitentes, é a variável importante. Em outras palavras, não mais consideraremos comportamento e meio como coisas ou eventos separados, mas as interrelações entre eles. Consideramos as contingências de reforço” (1969, p. 10).
Aprofundemos, em primeiro lugar, a relação da resposta com o reforço. Se atualmente toda a teoria do condicionamento está em crise, na falta de princípios gerais que ordenem toda sorte de dados disponíveis, é em relação ao reforço que esta crise se manifesta com maior evidência. No fundo, qualquer atividade, sob condições apropriadas, parece funcionar como reforço efetivo. E Skinner se lança numa “definição”, salientando de tal modo seu caráter relacional que termina por apresentá-la como uma tautologia: “A característica de um estímulo reforçador é que ele reforça” (1953, p. 72; tr. p. 48b). Círculo porém que se dissolve no próprio andamento da investigação: “Um estímulo reforçador é definido como tal por seu poder de produzir a mudança resultante. Não há circularidade nisto; alguns estímulos são encontrados produzindo mudança, outros não, e são classificados como reforçadores ou não reforçadores de acordo com isso” (1953, p. 62). Depois de citar esse texto, Schick acrescenta o seguinte comentário: “O que Skinner deixa de notar, entretanto, é que a mudança resultante é uma mudança na probabilidade da ocorrência de respostas pertencentes ao mesmo operante do que a resposta que foi reforçada. Skinner não tem meios de falar sobre a mudança resultante a partir de reforços sem falar de operantes” (Schick, 1971, p. 416). Neste caso, o caráter tautológico da definição implicaria num círculo flagrante. Um operante não se define meramente por uma propriedade física da resposta que pudesse ser selecionada por um investigador operando exclusivamente com os traços semelhantes às várias respostas. A isso é preciso acrescentar que o operante é uma classe cujos membros são respostas, cada uma das quais possui a “propriedade à qual o reforço é contingente” (1953, p.66; tr. 44b). Em suma, esta noção de operante, lembra Schick, é definida em relação à noção de reforço. Mas como acabamos de perceber, não podemos mencionar qualquer mudança proveniente de reforços sem nos referir a operantes. Schick sugere uma definição por pares, operantes e estímulos reforçadores sendo identificados simultaneamente (Schick, 1971, p. 416). É uma tentativa de manter a noção de operante no interior de uma lógica de propriedades; tentativa aliás, semelhante àquela feita pelo próprio Skinner para resolver as dificuldades levantadas pela definição de reflexo. Seria, porém, necessário incluir outro elemento, um estado adequado de privação. “Não é suficiente dizer que um operante é definido por suas consequências. As consequências devem ter tido o efeito de tornar uma condição de privação ou de estimulação aversiva uma variável corrente” (1969, p. 127). A nosso ver, entretanto, a dificuldade não se resolve fazendo com que a identificação se faça por meio de pares ou termos. Desde o momento em que se coloca o problema da identificação de cada resposta como operante, não cabe dizer, num sentido estrito que um dado comportamento consista num membro do mesmo operante antes e depois desse comportamento estar vinculado a uma privação específica. Para o pombo, o movimento de levantar a cabeça pode estar integrado a diversos operantes, mas no início nada tem a ver com o processo de sua alimentação. O reforço vem selecionar esse movimento inserindo-o no contexto de sua fome e de sua alimentação. Somente o preconceito atomizador do empirismo atribui à resposta uma identidade absoluta, permanecendo impassível diante de suas múltiplas integrações a operantes diferentes. Não vemos porque as condições de identidade de uma resposta em geral, essa independente do processo das contingências de reforço, devam ser confundidas com as condições de identidade da resposta enquanto parte do processo. Se definimos operante em relação ao reforço e vice-versa, é porque a apresentação do reforçador tem a virtude de transformar uma resposta inocente, por certo ligada a outros processos, num momento particular de um novo processo, convertendo-a num intermediário entre a privação e sua saciedade. Mas para usar essa linguagem não nos é permitido permanecer no contexto do empirismo, pois agora cada elemento se diferencia conforme assume determinações formais diferentes.
Antes porém de aprofundarmos essa questão, convém lembrar que por privação Skinner não entende um estado qualquer do organismo, mas exclusivamente uma quantidade de indicadores que podem ser especificados em termos físicos: a história do organismo a respeito da privação relevante, a que reforço especifico ela se relaciona, se o animal está submetido a drogas que pudessem causar uma atividade semelhante à verdadeira carência e assim por diante (19â3, p. 158; tr. p. 96b). No entanto, seja qual for seu modo de especificação, o importante é salientar o caráter dessa privação: “O resultado líquido do reforço não é apenas aumentar a frequência do comportamento, mas aumentá-lo em um dado estado de privação. Assim o reforço colocou o comportamento sob o controle de uma privação apropriada. Depois de condicionar o pombo a estimar o pescoço reforçando-o com alimentos, a variável que vai controlar o estirão do pescoço é a privação de alimentos. A resposta de levantar a cabeça meramente juntou-se ao grupo de respostas que variam com essa operação. Não podemos descrever o efeito do reforço de modo mais simples” (1953, p. 149; tr. p. 91a/b). Isto de modo a fazer com que o operante se transforme, na medida em que a própria privação se especifica. A esse respeito Skinner é explícito. O gesto de acender a luz, por exemplo, pode ter como consequência iluminar a sala ou atemorizar um ladrão que estava prestes a invadi-la. Este propósito da ação se refere a variáveis independentes de que é função a probabilidade de ligar o interruptor, dentre as quais está a necessidade do momento de iluminar o ambiente ou espantar o intruso. Necessidade que, de fato, surgiu da história passada do indivíduo, de seus hábitos de leitura, de sua carência de luz, ou de todas as experiências que fizeram do ladrão um estímulo nocivo. Mas esses efeitos passados se presentificam agora como um motivo que faz de “acender a luz para iluminar a sala” e “acender a luz para alertar o ladrão” operantes diferentes (1969, p. 128).
Desde já podemos perceber alguns traços essenciais da economia do operante. No pano de fundo se desenha a pressuposição de que o organismo mantém um constante intercâmbio de energias com o meio, atuando nele de modo sistemático, a fim de recuperar suas condições iniciais de existência e, graças a essa recuperação, perfazer seu próprio desenvolvimento. Para cada espécie e para cada privação fica estipulada uma classe de reforços apropriados. Dentro de tais limites algumas coisas funcionam indiferentemente como reforçadoras, pois ao pombo faminto pouco importa obter uma bolota de ração, um grão de milho ou de qualquer outro cereal. Acresce ainda a especificação da resposta, do levantar da cabeça, do apertar a alavanca. São todos pressupostos com que o investigador labora para criar um condicionamento operante, a saber, uma alteração da resposta inicial. E a diferença básica desse condicionamento com o condicionamento reflexo reside no fato de que, neste último, ocorre uma substituição de estímulos capaz de eliciar a mesma resposta, enquanto, no primeiro, se dá uma diferenciação da própria resposta. Assim sendo, não é difícil ver que o condicionamento respondente pode ser descrito nos termos de uma correlação de classes, já que o processo se limita a engrenar classes de respostas e classes de estímulos, previamente dadas. Pressuposta a existência dessas classes, a única dificuldade está em determiná-las empiricamente. Não passa de uma dificuldade epistemológica, da relação do sujeito investigador com seu objeto. É possível, entretanto, esgotar o significado do operante descrevendo-o apenas como uma classe? Sua importância não nasce precisamente do processo de diferenciação de suas influências? Dadas a privação e a classe de reforçadores, a apresentação de cada um destes tem a virtude de manter a resposta inicial, que todavia permanece a mesma apenas de um ponto de vista topográfico. Além de alterar sua probabilidade passa a ter, entre suas propriedades, uma fração do ambiente (a craveira ou uma parte do operandum), ficando ainda na dependência de uma nova privação, brecha por meio da qual se exerce o controle do investigador. Do mesmo modo que ligar o interruptor de luz se diferencia conforme passa a corresponder a necessidades diferentes, a resposta inicial se distingue da resposta engrenada no novo processo. Ao menos são diferentes da perspectiva da determinação formal.
Com isso também se alteram as próprias condições da repetição. Eliciado por um comportamento anterior, o reflexo se repete mecanicamente. Mantido o estímulo, perdura o reflexo condicionado, sendo que esta manutenção do estímulo nada tem a ver diretamente com a manutenção da conduta. No comportamento operante se dá justamente o contrário: “o organismo seleciona no interior de um amplo repertório de movimentos incondicionados aqueles cuja repetição é importante com respeito à produção de certos estímulos. A resposta condicionada de tipo R não prepara o organismo para o estímulo reforçador, mas o produz” (1938, p. 111). Daí a segunda resposta depender do ato produtivo da primeira, deixando de existir como operante enquanto o círculo não se fechar. Na medida em que o condicionamento operante vincula respostas entre si, estabelece entre elas um movimento circular, o antecessor colocando as condições de existência do sucessor, ambos entretanto constituindo casos individuais de uma mesma operação. O comportamento operante põe o reforço e com isso se repõe. Ora, subsumir esse processo de posição do reforço e de auto-constituição sob uma classe, cujas propriedades por isso mesmo passariam a ser pensadas como pressupostas, implica em retirar esse caráter autoprodutivo, reflexionante, das instâncias, para transformá-las em meros elementos de um conjunto, isolados uns dos outros mas submetidos a um mesmo conjunto porque possuem propriedades semelhantes. Mas esta classe-operante não está pressuposta ao processo, muito pelo contrário, é posta por ele; suas propriedades emergem conforme cada instância incorpora uma parte do ambiente, provoca o estímulo reforçador e com isso se modela. Não há dúvida de que cada instância passa a pertencer a uma classe, mas com isso está constituindo a própria classe, cujas características também se formam nesse desdobramento. No entanto, se a classe conservar, por assim dizer, sua natureza indutiva, que sentido pode ter a noção de probabilidade de resposta, a probabilidade de cada um de seus membros? Vimos que esta noção só se justifica quando estiver perfeitamente delineada a classe dos casos possíveis, quando esta estiver pressuposta. Mas o operante não consiste, ao contrário, na posição de uma classe?
Obviamente Skinner não pode pensar nesses termos e, para não abandonar o terreno do empirismo, precisa retroceder, deixar de lado os aspectos dinâmicos do operante, que ele mesmo não se cansa de salientar, tentando confinar esse dinamismo nos estreitos limites de uma lógica das classes. A probabilidade situa a resposta num contexto em que cada indivíduo possui uma transcendência, uma referência ao todo, mais isto para o investigador que o espreita. Assim é que toda virtualidade da resposta transpassa para suas relações com o investigador. Este pressupõe a classe onde insere cada caso particular, e a resposta, o reforço e a privação passam a se justapor. No entanto, é preciso fazer com que essas classes se intercortem: “A probabilidade é porém frequentemente tomada como medida de força de um operante. Força de uma resposta não tem sentido a não ser como propriedade de uma instância, assim como a sua força ou velocidade. É sempre uma resposta a que um dado reforço é contingente, mas é contingente a propriedades que definem o caráter de membro de um operante. Um conjunto de contingências define então um operante” (1969, p. 131). Um reforço não reforça uma resposta, um acontecimento propriamente dito, mas apenas algumas de suas propriedades. Uma solução desse tipo, porém, faz do operante uma classe que se define pela classe de reforço e vice-versa, caindo, por conseguinte, sob o fogo da argumentação de Schick, acrescida de todas as dificuldades que este autor aponta a respeito das relações da resposta com operante. Skinner poderia revidar lembrando que a resposta não constitui uma unidade em si, pois resulta de um corte operacional feito pelo investigador no contínuo do comportamento, o que aliás se coadunaria com sua tendência de transpor para o campo da epistemologia dificuldades que se encontram ao nível do real. Não é esta a solução que propõe para o problema da transferência? A explicação tradicional dessa questão incorre, segundo ele, no engano de isolar uma resposta de seu contexto contínuo, pretendendo em seguida que uma segunda resposta seja reforçada quando possui elementos comuns com a primeira. “Um meio mais útil de colocar a questão é dizer que os elementos são reforçados onde quer que ocorram. Isto nos leva a identificar o elemento, e não a resposta, como a unidade de comportamento. É uma espécie de átomo comportamental, que pode nunca aparecer sozinho em ocasião alguma mas é ingrediente ou componente essencial de todos os exemplos observados” (1953, p. 94; tr. p. 61a). O que vem a ser todavia esse elemento? Se for uma propriedade, assim o interpreta Schick, não faz mais do que trazer para a teoria toda sorte de dificuldade a respeito de como essa propriedade se vincula à resposta concreta e ao operante. Não nos cabe agora discuti-las, mas essa rápida invocação do elemento serve contudo para reafirmar a tese do atomismo, da resolução do real em elementos e classes que, postos dessa maneira, só podem encontrar uma íntima ligação no olhar estranho do investigador.
Não é nossa tarefa, nem temos essa pretensão, resolver uma questão que pertence aos próprios psicólogos. Só eles, na prática do laboratório e com sua participação na luta cotidiana das doutrinas podem decidir quais são suas unidades de análise. Nem por isso contudo cabe aceitar sem discussão a posição pragmática de Skinner. Depois de comparar as dificuldades que Agassiz e Darwin encontraram para a definição das espécies com as dificuldades encontradas na definição do operante, conclui: “As propriedades definidoras de ambos, espécies e operantes, são práticas: são as características (de indivíduos ou de respostas) que são importantes em suas respectivas contingências” (1969, p. 132). A aproximação é sintomática. É precisamente na definição das classes biológicas que o Kant da Crítica do juízo necessita distinguir os juízos determinantes, aqueles que possuem uma categoria pressuposta subsumindo as instâncias individuais, dos juízos reflexionantes, cuja categoria se constitui no próprio processo de subsunção. O que pretendemos salientar é que a definição de operante não pode pressupor uma classe perfeitamente delineada em relação à qual as respostas individuais possam enquadrar-se. Desde o momento em que passamos a considerar o comportamento in fieri, tomar cada resposta exclusivamente como o elemento de um conjunto implica em atribuir-lhe uma fixidez que não nos parece coadunar-se com seu caráter relacional e produtivo. Podemos, com efeito, considerar um operante como uma classe de respostas semelhantes, mas cabe lembrar que é o próprio operante que, em última instância, define a propriedade determinante da classe, ou melhor a determinação que a resposta recebe ao integrar-se, como um momento, a um processo circular.
Existe outro aspecto da teoria do operante que salienta ainda mais seu caráter reflexionante: a Lei do Efeito, como em Thorndike, tem, como consequência, modelar (“shaping in”) a conduta: “O comportamento operante modela o comportamento como o escultor modela a argila. Ainda que algumas vezes o escultor pareça ter produzido um objeto inteiramente novo, é sempre possível seguir o processo retroativamente até a massa original indiferenciada e fazer que os estágios sucessivos, através dos quais retornamos a essa condição, sejam tão pequenos quanto quisermos. Em nenhum ponto emerge algo que seja muito diferente do que o precedeu. O produto final parece ter uma especial unidade ou integridade de planejamento, mas não se pode encontrar o ponto em que ela repentinamente apareça. No mesmo sentido, um operante não é algo que surja totalmente desenvolvido no comportamento do organismo. É o resultado de um contínuo processo de modelagem.” (1953, p. 9 ; tr. p. 59a). Essa descrição corresponde, aliás, à experiência cotidiana do condicionamento. Se pretendermos que um pombo trace com seus passos, em certas circunstâncias, a figura de 8, nunca o conseguiríamos se esperássemos esse comportamento para reforçá-lo. Começamos por reforçar um passo qualquer do animal e paulatinamente vamos reforçando os desvios subsequentes até atingi r o resultado desejado.
Uma aplicação direta da Lei do Efeito serve de base para Skinner explicar o comportamento dito supersticioso. A mera reapresentação sistemática de um reforço sem a eleição, da parte do investigador, de uma resposta qualquer, gera uma espécie de operante que, à primeira vista, nada tem a ver com a produção do estímulo. Isto porque o animal está sempre se comportando e, em consequência, tende a repetir a resposta que por acaso foi reforçada, desde que o intervalo entre esta e a próxima apresentação não seja tão grande a ponto de provocar a extinção. Staddon e Simmelhag apontam duas ordens de dados recentes que vêm pôr em causa uma interpretação desse tipo. Em primeiro lugar, experimentos com esquemas de reforço ligados ao tempo mostraram o desenvolvimento de, por assim dizer, comportamentos mediadores durante o período de espera. Assim, por exemplo, esquemas, que exigem do animal o espaçamento de suas respostas por alguns segundos a fim de que suas respostas sejam efetivas na produção do reforço, fazem com que o pombo frequentemente comece a andar ou a mover-se em círculos. Como tais condutas não são reforçadas no sentido de serem contíguas à apresentação do alimento é bem possível que o comportamento supersticioso, no sentido de Skinner, também seja determinado por fatores causais igualmente responsáveis por essas atividades mediadoras. Em segundo lugar, muitos experimentos têm demonstrado que, nas condições do condicionamento operante, o organismo desenvolve comportamentos que parecem relacionar-se muito mais com o condicionamento de tipo pavloviano, do que com aquele resultante da Lei do Efeito, tal como é frequentemente entendida. Assim é que pombos famintos podem ser treinados a bicar uma chave do mecanismo de resposta simplesmente iluminando-a, por alguns segundos, antes da apresentação do alimento. A relação entre esse processo de “auto-modelagem” (“auto-shaping”) e o condicionamento pavloviano é salientado por um dado obtido por Williams e Williams (1969): o bicar da chave “auto-modelado” mantém-se mesmo se a bicada retira a luz da chave, impedindo assim a apresentação do alimento (Staddon e Simmelhag, 1971, pp. 4/5). A esses se acrescem comportamentos do tipo da polidipsia: o rato bebe demasiadamente água ao ser condicionado com o alimento, desde que essa água esteja disponível.
Não há dúvida que toda teoria comporta seus resíduos. Mas quando tais resíduos estão se acumulando, não chega o momento de tentar uma revisão dos fundamentos conceituais da própria noção de operante? É para responder a essa pergunta que Staddon e Simmelhag retornam o conceito de comportamento supersticioso de Skinner e, na base de novos dados que eles mesmos acrescentam aos já conhecidos, tentam esboçar uma teoria alternativa do operante, onde o reforço, em vez de modelar, cumpre apenas uma função seletiva, suprimindo as variações de comportamento cujas origens se encontram em outro princípios. Está fora de nossos propósitos a discussão dessa teoria alternativa, já que Staddon e Simmelhag empregam conceitos como “capacidade de ser reforçado”, pois o fato de um estímulo poder ser reforçador num dado momento e não o ser em outro implica para eles, na ideia de um “estado” correspondente a cada classe de reforçadores (1971, pp. 21/2). Isto nos levaria a aceitar um conceito de “possibilidade” que não se coaduna com o behaviorismo radical, e que se nos afigura um retrocesso na direção do tradicional conceito de potência.
No entanto, importam-nos os resultados a que chegam esses autores no tratamento das respostas mediadoras. Chamam de atividades interinas aquelas que não se explicam diretamente pela Lei do Efeito e que ocorrem no intervalo das apresentações do reforço. A resposta terminal é aquela que se dá pouco antes dessa apresentação. É de notar que uma distinção dessa espécie resulta em negar o conceito skinneriano de “comportamento precorrente”, isto é, todos aqueles comportamentos que são reforçados pela simples razão que o comportamento contíguo o foi. Mas nos importa apenas a natureza da resposta terminal, que nos parece independente das divergências de interpretações. Numa circunstância em que normalmente se gera um comportamento supersticioso, isto é, sem eleição de uma resposta que serve de base para o reforçamento, os pombos submetidos a esquemas de reforço, quer de intervalo fixo, quer variável, mostram uma resposta terminal cuja probabilidade é função da probabilidade da apresentação do reforçador. A probabilidade da resposta terminal aumenta previamente aos acréscimos da probabilidade da apresentação do alimento e decresce logo após o decréscimo dessa última probabilidade (Staddon e Simrnel hag, 1971, p. 13). Em outras palavras, o organismo aumenta suas atividades interinas quando não está para ser reforçado e as diminui quando está prestes a sê-lo. Tudo se passa pois, como se ele orçasse seu tempo eficientemente (Idem, p.39). Um dado dessa ordem retira o caráter atômico que Skinner empresta ao comportamento supersticioso. Este, ainda que não tenha consequências produtivas imediatas, só ocorre no contexto de outras respostas que o submetem a uma economia temporal. Em vista disso, a resposta terminal deve ser tomada como um operante discriminativo, no sentido skinneriano (Idem, p. 13), a saber, um operante que possui um estímulo anterior responsável por sua ocorrência. Não se confunda o operante discriminativo com um comportamento respondente. Embora ambos possuam um estímulo prévio, no caso do respondente, o estímulo elicia a resposta, enquanto, no caso do operante, apenas cria uma ocasião em que aumenta sua probabilidade de resposta. Trata-se em suma de uma diferença na determinação formal.
O que porém discrimina a resposta terminal? Staddon e Simmelhag afirmam que se trata da discriminação de um estímulo temporal, do intervalo de tempo que se escoa depois da apresentação do reforço. Skinner seria mais exigente no que respeita o vocabulário. Um organismo não discrimina propriamente um intervalo de tempo, mas propriedades temporais do estímulo (1938, p. 265), pois os fenômenos se dão no tempo, porquanto o próprio tempo não é um fenômeno. Parece-nos que uma divergência como esta, se ela existe e não se resume numa questão de palavras, não se resolve com um apelo a dados experimentais. Seja porém como for, impõe-se ao menos uma conclusão. No laboratório, o investigador pode isolar uma resposta qualquer e tratar de transformá-la num operante, fazendo com que essa resposta fique na dependência de uma privação adequada e de um reforçador posterior. No entanto, apesar desse isolamento resultar do arbítrio do pesquisador, nunca devemos esquecer que o operante não está fora do contexto de outras respostas. Até aqui estamos apenas reafirmando as asserções de Skinner sobre a continuidade dos comportamentos. Inserindo-se todavia num contexto, o operante fica entalado no intervalo de duas respostas terminais, no sentido de Staddon, porquanto sempre haverá respostas que precedem a apresentação do reforço. Se essas respostas terminais são discriminativas — seja de um intervalo de tempo, seja de propriedades temporais do estímulo, pouco importa — o operante passa a ocorrer entre dois operantes discriminativos temporais e, por conseguinte, num contexto em que o organismo diferencia um antes e um depois. É de notar que se trata da discriminação do tempo e não simplesmente de seu efeito, como quer Skinner: “Dizer que um reforço é contingente a uma resposta não pode significar mais do que segue esta resposta. Pode seguir por causa de alguma conexão mecânica, ou por causa da mediação de outro organismo; mas o condicionamento tem lugar presumivelmente apenas por causa da relação temporal, expressa em termos de ordem e proximidade do reforçamento” (1959, p. 404). Agora é o próprio mecanismo da justaposição que está sendo posto em xeque. Não basta dizer que a mera contiguidade tem o efeito de vincular a resposta a um reforço, como sempre se fez desde os tempos da teoria da associação de ideias, ainda é preciso acrescentar que essa contiguidade ocorre num contexto em que o organismo discrimina um antes e um depois. É no intervalo de operantes discriminativos temporais que um operante qualquer se da e, portanto, nos quadros de uma economia do tempo. É como se fosse uma condição a priori da sensibilidade que, em lugar de operar ao nível das representações, age ao nível da própria ação, o organismo exercendo comportamentos que estabelecem condições formais para outros comportamentos.
VI. Discriminação e generalização
O reforço modela o comportamento como o escultor modela a argila. A mesma metáfora, que serve para Aristóteles investigar as causas da mudança, ressurge agora na investigação das relações do organismo com o meio. Apenas de uma maneira mais plástica, realçando a continuidade do processo, em prejuízo do aparecimento de um produto novo, que se dissolve no acúmulo de diferenciais. Vimos que o operante se enquadra num contexto em que o animal discrimina um antes e um depois. Em que medida a intervenção do tempo afetará o processo contínuo de modelagem? Não é a própria crítica skinneriana da finalidade que começa a fazer água? De fato, se o comportamento se exercita num contexto em que surge uma forma primitiva de antecipação, é possível continuar pensando o fim exclusivamente como o resultado de um reforço posterior? Antes de aprofundarmos essa questão, necessitamos recordar uma das características do operante que nos parece fundamental para esse propósito. Uma parte do ambiente passa a constituir uma “propriedade do operante”. Do mesmo modo, porém, que o estímulo, ao inserir-se numa contingência de reforço, perde seu caráter em si para determinar-se como um momento do processo, também essa parte perde sua indiferença em si mesma para vir a ser momento da resposta. É através dela que o organismo se infiltra na natureza bruta para desencadear um movimento que termina com a apresentação do reforço. Na experiência do pombo esse processo se inicia, de um lado, com a seleção feita pelo investigador, de outro, pelo ajustamento de conduta do animal a essa condição objetiva. Por isso é que, do ponto de vista do pombo, seu comportamento é social, o reforço ficando na dependência da mediação do organismo do pesquisador” (1957, p. 108 nota). Mas na natureza bruta, a parte selecionada é seguida por outro elemento natural, formando uma sequência cujo último termo é o reforço. Suponhamos que uma raposa faminta passe por debaixo de uma parceira e esbarre por acaso num bambuzal que cresce ao lado. Uma vara de bambu bate na videira fazendo despencar um cacho de uva madura, com o qual a raposa se sacia. Que parte dessa cadeia passou a integrar o operante? Esse acúmulo de acasos levanta para o comportamento humano a questão do instrumento. Mas cabe notar desde já que o operante na sua forma mais simples incorpora um pedaço da natureza, trazendo-o para o interior do seu processo, transformando-o em seu corpo inorgânico.
Essa parte parece que não precisa ser discriminada, mas tudo leva a pensar quo tende a constituir um reforço secundário. Isso decorre da própria definição dessa forma de reforço: “Um estímulo que seja apresentado no reforçamento operante pode ser emparelhado com outro no condicionamento respondente... Conquanto o reforço seja uma função diferente do estímulo, o processo resultante de emparelhamento de estímulos parece ser o mesmo. Se frequentemente exibimos um prato de alimento a um organismo faminto, o prato vazio eliciará a salivação. Até um certo ponto o prato vazio também reforçará um operante” (1953, p. 76; tr. p. 50b). Suponhamos uma resposta R que se relaciona com a, b, c,... n partes da natureza, sendo a aquela que está diretamente em contato com R e n o reforço. Este elicia um comportamento respondente que está emparelhado a R. Por que a também não reforçará R? Desde que se cumpram as exigências de contiguidade espacial e temporal é bem possível que a seja ao mesmo tempo propriedade da resposta e reforço secundário. Mas um estímulo qualquer, para transformar-se em reforço condicionado, não precisa antes ser discriminado? Este é o conteúdo da hipótese Keller-Shoenfeld que, contudo, não encontra uma confirmação cabal. Edward Wike resume o estado atual da questão no seguinte princípio: “Geralmente, reforços secundários são estímulos discriminativos, mas estímulos simplesmente associados com reforço primário adquirem frequentemente um valor aprendido de recompensa”. E acrescenta: “Desde que o ‘deve’ foi removido da hipótese Keller-Shoenfeld, a questão crítica das condições específicas necessárias ao estabelecimento de um reforço secundário permanece sem resposta. Até que esta tenha sido obtida, a inclusão, sempre que possível, de um treino discriminativo no treino de reforço secundário parece constituir uma prática razoável de pesquisa” (Wike, 1966, p. 464). Mas se a questão for de treino, nada mais fácil do que fazer com que a craveira seja ao mesmo tempo discriminada e funcione como reforço secundário. Ela passaria então a funcionar em três níveis diferentes, como propriedade do operante, como estímulo discriminativo e como reforço. Em suma, possuir uma tripla determinação formal.
Acresce ainda que o estímulo discriminativo pode sei produzido. Examinemos um exemplo dado pelo próprio Skinner. Suponhamos que nos cabe ir apanhar no aeroporto a mala de um amigo. Nunca a vimos e temos apenas o bilhete de identificação com seu número. Sozinhos, nos deparamos com uma enorme giratória onde centenas de malas desfilam diante de nossos olhos, com tal rapidez que nos é impossível verificá-las na ordem de apresentação. Um meio custoso seria examinarmos as malas aleatoriamente, o que nos obrigaria a tomar várias delas muitas vezes. Outro mais simples consistiria em marcarmos com um sinal de giz cada mala examinada. Por mais simples que seja, observa Skinner, este método possui características notáveis. O método aleatório não incorpora as condutas anteriores. O número de verificações requeridas para resolver a questão não é uma dimensão do comportamento e o tempo é desperdiçado. Mas o uso de sinais introduz algo de novo. Marcar cada mala é uma espécie de comportamento precursor (“precurrent”) que favorece o reforço do comportamento subsequente, reduzindo o número de amostras necessárias para encontrar a mala certa. Tecnicamente falando é uma construção de um estímulo discriminativo. O efeito do comportamento seguinte é apenas o reforço a que pode ser atribuído à marcação. E tal efeito não deve ser negligenciado, pois distingue os sinais de giz feitos de propósito daqueles deixados por acidente. É o fato deles se tornarem úteis que importa (1969, pp. 136/7). Salientamos as características que mais nos interessam. O ato de marcar é um comportamento precursor que antecede urna resposta final, aquela que será diretamente reforçada. Os efeitos desse ato favorecem o encontro. O processo traz uma economia do número dos comportamentos requeridos, já que incorpora a experiência passada, trazendo também uma economia de tempo. Além disso, o caráter utilitário do efeito o distingue da mancha deixada por acaso. Para tornar mais dinâmico o exemplo de Skinner, vamos supor que comecemos deixando nas malas um sinal qualquer. Neste nível é a presença ou a ausência do sinal que se responsabiliza pela distinção. Logo, contudo, percebemos que isto pode levar a um engano. O funcionário da alfândega também marcou com giz branco as malas que examinou. Passamos então a assinalar com uma cruz. Agora o que distingue não é apenas a ausência ou a presença da marca, mas também sua forma. Por uma razão qualquer constatamos ainda que a cruz branca também se presta a confusões, e passamos a marcar com giz colorido. “Discriminar é acumular pequenas diferenças que são elas mesmas propriedades do comportamento original”. (1938, p. 170). Atentemos para o jogo do mesmo e do outro, implícito nesse processo, que o empirismo de Skinner impede de considerar. Um sinal impresso na mala é diferente de outro sinal impresso em outra mala: todos constituem, entretanto, o mesmo sinal em relação à marca deixada pelo aduaneiro. Esta mesmice, porém não está dada, não constitui um pressuposto do processo, já que se firma exclusivamente quando surge a possibilidade de confundir os sinais. Não convém transferir para um processo simples de sinalização um pressuposto comum à linguagem, onde cada símbolo se dá desde logo inserido num código, do mesmo modo que não cabe extrapolar, como aliás faz Skinner, os resultados obtidos na análise de um mero conjunto de sinais para o campo da língua em gerar. Isto sem mesmo tentar estabelecer os passos mediadores. Tomada essa precaução, observemos que cada sinal não se define pelo espaço vazio demarcado pelas diferenças relativas a todos os outros sinais de seu contexto, mas, ao contrário, nasce da repulsão de seu outro, da marca do aduaneiro e de outras marcas que por ventura encontrar. Daí essa diferenciação depender do ato concreto de marcar. Os estruturalistas desde o início pensam o signo copresente a todos os seus possíveis, como se não houvesse diferença alguma na ordem dos fenômenos entre o sinal real e presente, e todos os outros sinais dos quais se diferencia. Não é estranhável, portanto, que façam do sinal a encarnação de uma entidade ideal, a única que pode competir com os outros sinais postos apenas como virtualidades. Recusada essa hipóstase, toma-se necessário voltar ao ato concreto de marcar, a fim de acompanhar passo a passo a constituição de seu outro. Deixamos um sinal na mala e repetimos no tempo essa operação. Cada ato tem um efeito (numericamente) diferente do outro: tantas marcas passam a existir quantas foram nossas marcações. Esses efeitos porém se mesmificam na medida em que todos têm o mesmo efeito de favorecer o reforço final. Em última instância é pois em relação a este que os diversos sinais se tornam o mesmo, ao reforço final que pode ainda ser representado pela privação adequada, pelo carecimento. Mas desde que os diversos efeitos se aglutinam num mesmo, passam a ser a mesma consequência dos vários movimentos de marcar, o que os transforma num mesmo operante, numa classe indutiva, reflexionante, de mesmas respostas. É graças a essa congeminação de várias respostas num mesmo operante que se torna possível a economia dos atos isolados. Se procedêssemos conforme o método aleatório não obteríamos a produção de efeitos encadeados até o reforço final. Cada ato se perderia em si mesmo e, se por ventura, todos constituíssem um operante, não seria pelos efeitos relativos ao reforço que se constituiriam num mesmo. Embora deixe traços diferentes, a multiplicidade de respostas se configura numa unidade que denominamos “marcar”.
Essa verdadeira potencialização do estímulo, que passa a cumprir funções diversas na medida em que participa no processo de modo diferente, em que se determina diferentemente, encontra seu apogeu no reforço generalizado. “Um reforçador condicionado será generalizado quando for emparelhado com mais de um reforçador primário”. Podemos explicitar esquematicamente essa definição da seguinte forma: um estímulo reforçador S será emparelhado a S¹, S²... Sn. “O reforçador generalizado é útil por não lhe ser importante a condição momentânea do organismo. A força do operante gerado por um único reforço só se observa sob uma condição de privação adequada — quando se reforça com alimento, obtém-se controle sobre o homem faminto. Mas se um reforçador condicionado foi emparelhado com reforçadores apropriados a muitas condições, pelo menos um dos estados de privação adequados tem a probabilidade de prevalecer em uma ocasião futura. Assim é mais provável que uma resposta ocorra. Quando reforçamos com dinheiro, por exemplo, nosso controle subsequente é relativamente independente de privações momentâneas” (1953, p. 77; tr. 51 a/b). Essa alteração de funcionamento, entretanto, não põe em causa a própria definição de reforço e, por conseguinte, a de operante? Se o reforço só se constitui em vista de uma privação adequada, como é possível relacioná-lo agora a diversas privações? Além do mais, se o operante se constitui em vista das mesmas consequências, dos mesmos “propósitos”, o que significa agora colocá-los em relação a “propósitos” diversos? Obviamente Skinner enfrenta questões como essas salientando o caráter dinâmico da generalização do reforço, que passa a depender de um processo constitutivo implícito, o qual pouco a pouco vai emparelhando um estímulo prévio a reforçadores primários diferentes, ampliando assim o campo de sua ação. No entanto, é “fácil esquecer as origens dos reforçadores generalizados e encará-los como reforçadores por si mesmos. Falamos na ‘necessidade de atenção, aprovação ou afeto’, da ‘necessidade de domínio’ de ‘amor ao dinheiro’ como se fossem condições primárias de privação”. Com isso substantivamos carências na medida em que substantivamos os reforços generalizados correspondentes. Mas uma capacidade de assim ser reforçado dificilmente poderia ter evoluído no curto período de tempo durante o qual as condições requeridas prevaleceram. “Atenção, aprovação, afeto e submissão, possivelmente, só existem na sociedade humana há curto período de tempo, enquanto o processo de evolução se desenvolvia. Além disso, não representa formas fixas de estimulação, pois dependem das idiossincrasias de cada grupo particular” (1953, p.80; tr.p.53a). A generalização do reforço resulta assim de um longo processo que extravasa os estreitos domínios da história individual, cada organismo se defrontando pois com os resultados de um processo cumulativo, que se encobre para deixar transparecer apenas uma generalidade já feita.
Nada indica a necessidade de um mesmo reforço generalizado possuir basicamente a mesma história; processos diferentes de exclusão podem chegar à mesma generalidade. Suponhamos a sequência de estímulos S ABED J, S LMKE I, S PEOD L e assim por diante, sendo J,I,L reforçadores primários. Considerando que na vida social dificilmente tais reforçadores aparecem em estado puro, misturando-se com reforçadores secundários já constituídos, é conveniente denominá-los reforçadores de primeira ordem. A generalização implica que J,I,L etc. não possuem propriedades comuns perduráveis, satisfazendo ademais necessidades deferentes. Não é difícil perceber que este esquema segue a matriz da velha teoria do conceito formulada por Locke: uma palavra, no caso S, associa-se a vários objetos semelhantes que passam a ser invocados por ela. Por isso, o universal se resolve num feixe de atributos, aqueles possuídos igualmente pelos objetos e que se ligam ao sinal graças à associação. Sem dúvida, o que era faculdade do intelecto, modo ardiloso de suprir sua finitude, sua incapacidade de abarcar ao mesmo tempo uma infinidade de coisas, aparece agora como propriedade do comportamento, que transfere para o estímulo a potência de sustentar e modelar diferentes condutas. Mas essa matriz constitutiva do universal só funciona com o auxílio da ideia de semelhança. Para os filósofos ingleses essa ideia é discriminada, para Skinner é a própria semelhança que como tal desencadeia a aglutinação. A dificuldade, porém, está em situá-la. Por certo as ocorrências de S são semelhantes entre si, mas esta classe de semelhança deve relacionar-se com uma classe cujas subclasses são formadas pelas ocorrências individualizadas de cada reforçador de primeira ordem. Que propriedade define essa classe global? O simples fato de todos os seus elementos reforçarem não basta, pois importa sobretudo resolver o problema de quais são os reforçadores de primeira ordem que podem ser substituídos pelo reforço generalizado, e quais não o podem. Como ela se constitui? No laboratório o problema fica resolvido de antemão. O desenho do experimento estipula quais os reforços primários que uma ficha passará a substituir, de sorte que a classe se dá como uma pressuposição da experiência, possuindo além do mais um número finito de elementos. Assim mesmo devemos atentar para duas coisas: a relação de troca e a necessidade de expandir esse número. Segundo os termos restritos da definição de reforço generalizado, basta o emparelhamento de um reforço secundário com mais de um reforço primário para que ocorra a generalização. No entanto, experiências que tratam da recompensa simbólica, quando chimpanzés, por exemplo, são treinados a operarem com uma máquina qualquer a fim de receberem uma ficha que pode ser trocada por um reforço primário e, sobretudo, os reforços generalizados da vida cotidiana introduzem uma relação de troca entre os dois tipos de reforços que não pode ser deixada do lado. O dinheiro, “reforçador generalizado por excelência” (1953, p. 79; tr. p. 52b) é o melhor exemplo disso. E no caso de uma experiência em que um animal troca a ficha num dispositivo mecânico, convém não se esquecer de que o investigador tem o monopólio dos reforços primários, estabelecendo-se portanto entre ele e o animal uma comunidade social. Ora, a intervenção desse comportamento social entre o reforço generalizado S e os reforçadores primários sobredetermina esse reforço fazendo com que, ao mesmo tempo, ele se conserta num estímulo discriminativo para a operação de troca.
Ao sair do laboratório, essa troca adquire novas propriedades, notadamente, toma inespecífica a classe dos reforçadores que são trocados pelo reforço generalizado. Construímos experimentalmente esse reforço emparelhando S a um primeiro reforçador, a um segundo e assim por diante. No entanto, não apenas esquecemos facilmente esta sua origem progressiva, como devemos ter diante de nós um S que em geral sempre está disposto a ser trocado por um dentre os reforços de primeira ordem. Podemos trocar dinheiro indiferentemente por uma mercadoria qualquer desde que respeitemos os limites quantitativos. Não há dúvida de que a classe de mercadorias, num dado momento histórico, é finita e enumerável, mas cada um de nós não a abarca com seu olhar. Para cada comprador está sempre presente a pressuposição que pode comprar, não importando esta ou aquela mercadoria. Às vezes essa pressuposição não se realiza, testemunham-no as crises de produção, quando o dinheiro não encontra no mercado as mercadorias desejadas. Estaríamos apenas diante de uma questão de esquecimento?
Examinemos a situação com cuidado. Um chimpanzé pode trocar uma ficha por um bago de uva num dispositivo mecânico, do mesmo modo que podemos obter um refrigerante de uma máquina, retribuindo-lhe com uma moeda. Mas essa relação só se torna possível porque a ficha interessa ao investigador como elemento de sua pesquisa e a moeda ao fabricante como elemento de sua produção. A troca é condição sine qua non do processo. Na vida cotidiana essa mediação social se manifesta sobredeterminando os estímulos, S serve de estímulo discriminativo para uma relação de troca com um terceiro, que por sua vez tem em S seu reforço generalizado. Numa situação de troca simples, por intermédio do dinheiro, ambos os agentes, A e B, não dispõem de outros reforços além da moeda (S) e das mercadorias de que cada um carece mas não possui. Se laborarmos unicamente com esses dois termos, moeda e mercadoria, deveremos enfrentar o problema de equivalência das mercadorias trocadas, principalmente tendo em vista que, em situações sociais, necessitaríamos considerar o custo de cada troca, pois a compra de um objeto implica na exclusão da compra de outros. Isto contudo nos levaria a uma discussão do problema do valor, o que nos afastaria demasiadamente da linha desta nossa investigação. Ora, a hipótese da equivalência das mercadorias não é imprescindível para nosso argumento, de sorte que podemos abandoná-la sem temor. Fizemos tão somente que suporemos o agente A trocando S por um reforçador de primeira ordem, B recebendo em compensação o mesmo S, o qual todavia, por não lhe ser muito valioso, pode ser complementado por outro reforçador qualquer.
Retornamos a questão desde o início. O agente A obtém S por meio de um operante O¹; por sua vez S se converte, para o mesmo A, num estímulo discriminativo de um operante de troca O¹, que lhe propicia um reforçador de primeira ordem. No início A tem a possibilidade de trocar S por um, depois por dois, por três, e assim por diante, reforçadores de primeira ordem. Nisto consiste o processo de generalização. Mas não é possível confinar essa generalização aos estreitos limites da história pessoal. Para explicar a existência de reforços generalizados como o dinheiro, que de imediato não revelam seu processo de constituição, Skinner precisa extrapolar esse tipo de gênese para a História da Humanidade, admitindo assim um longo desdobramento cujos resultados são esses reforços generalizados que ocultam sua origem. Nesta ocultação, o que nos importa é salientar que a classe dos reforçadores de primeira ordem se torna indefinida, isto é, seu número carece de importância para o agente. No entanto, embora esse agente receba certos reforços generalizados por herança, necessita ainda aprender seu uso. Se ele próprio não repetir de uma maneira ou de outra o que se passou na História, o estímulo nunca adquirir a a generalidade desejada. Isto porque devemos excluir, para fins de análise, a contribuição da linguagem, pois as generalidades veiculadas por ela também devem ser apreendidas. Seja como for, se o agente individual não perfazer algum processo próprio de generalização, nunca terá acesso aos universais que a cultura lhe apresenta. Somente depois é que poderá, por uma indução qualquer, apreender o uso de um reforço generalizado, sem passar pela prova de generalização. E nesta generalização pessoal devemos encontrar os elementos que expliquem como, a partir de um dado momento, a classe dos reforçadores de primeira ordem se lhe torna indefinida.
Partimos da sequência: O¹ S O² n¡ (n¡ pertencente a C², classe dos reforçadores de primeira ordem), que exprime o seguinte encadeamento: o agente A atua para obter S o qual é trocado, por intermédio de B, com um reforçador de primeira ordem pertencente a uma classe C² . Ora, C² também é constituída por O² da mesma maneira pela qual uma classe de reforçadores é constituída pelo operante correspondente. Vimos que um reforço é uma classe formada por elementos cuja qualidade de reforçar mantém uma conexão íntima com a resposta respectiva: esta produz, elucida Skinner, o reforço enquanto reforço, a despeito desse reforço transformar uma resposta num operante qualquer. Anteriormente à generalização, uma resposta produz, suponhamos, n¡, neste sentido particular de converter um estímulo numa contingência de reforço. O primeiro passo da generalização consiste em introduzir S, uma variável física, natural, que se incorpora à resposta. Em seguida S é emparelhado a outros reforçadores primários ou secundários já fixados, não importa. Se for possível uma generalização num contexto exclusivamente natural, a simples presença de S dá início a um movimento físico, cujo resultado será um n¡. Neste caso, não existe O² . Logo porém que nos transportamos para um contexto social, O² se coloca no prolongamento de O¹ como se fosse um novo instrumento que a ele se incorporasse. Um intermediário social, contudo, possui características próprias. É ele mesmo, em primeiro lugar, um operante. Difícil nos parece considerar a troca simplesmente um comportamento precorrente, que se integrasse a O¹ sem adquirir qualquer autonomia. Deixando de lado todos os argumentos contra essa noção skinneriana de comportamento precorrente, para nos demorar exclusivamente na análise da relação de troca, vemos, antes de tudo, que, por exemplo, entre a obtenção da moeda e sua troca pode escoar-se um lapso considerável de tempo, não apenas o lapso de um dia, mas de meses ou de anos. Além disso, um comportamento social como o de troca demanda estímulos discriminativos totalmente diversos daqueles capazes de sobredeterminar O¹. No fundo, é preciso que o outro compareça na qualidade de um indivíduo que, graças a experiências passadas, seja capaz de ser reforçado, isto é, de desfazer-se de um objeto que possui, porque alguma coisa lhe é entregue. E essa coisa não pode ser simplesmente S, na qualidade de reforço generalizado, porquanto, se para o agente B, S já possuísse esse caráter de generalidade, estar íamos dando por resolvida nossa questão. No caso contrário, caberia reiniciar a investigação partindo de B. Mas com isso C² passa a ser duplamente determinada. De um lado, constitui-se indiretamente por O¹ e pelas motivações específicas que o provocam. Lembremos que, se o reforço generalizado é independente de privações, é porque sempre um dos objetos trocados poderá, na ocasião propícia, satisfazer uma necessidade. Se não existissem carecimentos também não existiriam reforços como tais. De outro lado, C² se determina pelas exigências impostas pela própria troca. Para que n¡ exista como reforço de O¹ precisa anteriormente encontrar-se disponível para B. De uma maneira ou de outra, B tem de produzir ou prepará-lo, a fim de que a troca se efetive. Não nos cabe examinar aqui a divisão de trabalho ou outros processos que distribuem entre A e B os objetos a serem trocados, importa apenas salientar que a troca pressupõe uma espécie qualquer de monopólio, cada agente comparecendo na troca com suas coisas. Daí C² adquirir uma forma, a saber, uma condição de existência, que não depende apenas dos elementos de C², das condições naturais que os produzem enquanto estímulos propriamente físicos. Em outras palavras, C² , cujos elementos são constituídos de fato por O¹, configura-se como classe de objetos para a troca por um processo que nada tem a ver com O¹. Além do mais, essa forma se fixa como pressuposição de O¹. Posta pela relação do troca, C², enquanto classe de objetos trocáveis, constitui uma condição formal a fim de que o indivíduo opere para obter S. Daí a produção de S só se efetivar se for garantida, por assim dizer, a trocabilidade de S por qualquer um dos reforçadores em questão. Atentemos para as mudanças formais que afetam C² ao converter-se, de classe posta, em classe pressuposta. No primeiro caso, dá-se indutivamente como uma sequência de reforços desdobrando-se no tempo. O agente troca S ora por um, ora por outro reforçador de primeira ordem. Quando tais reforçadores ficam pressupostos, graças à mediação da troca, o escoamento temporal se aglutina, todos eles ficam simultaneamente pressupostos, antepostos como disponíveis e à mão. É o tempo que se consome para manifestar uma possibilidade de troca, que pode ou não se efetivar. Parece-nos assim que, no fundo, a passagem da generalização progressiva do resultado para a simultaneidade pressuposta dos elementos desempenha o mesmo papel que a imaginação transcendental cumpre no kantismo: apresenta as representações passadas e futuras para tornar possível a síntese do entendimento. Mas aqui não precisamos recorrer a uma instância separada do intelecto, já que, se O¹ fica na dependência de O², este precisa de O¹ para possuir os elementos a serem trocados. Em outras palavras, não devemos pressupor nenhuma instância separada da troca, por exemplo, um sistema concreto de relações sociais, um sistema de parentesco, que distribuísse os objetos trocáveis segundo regras previamente estipuladas, pois, operando num nível mais elemental, percebemos que o próprio conjunto de reforçadores de primeira ordem, ao ser anteposto, adquire propriedades formais que não possuía enquanto resultado. Recorrer a relações de troca sobredeteminadas por outros conteúdos sociais além dos conteúdos providos pelo próprio conjunto de reforços, coloca questões insolúveis a respeito dessas formas de sociabilidade, carreando, além disso, para o nosso argumento mais do que lhe é necessário. Basta a mera alteração da forma do conteúdo do reforço para que uma anteposição, uma representação, no sentido de Vor-stellung, configure uma nova determinação do comportamento. Não se trata obviamente de pensar a produção de S a partir duma reprodução mental da sucessão dos reforçadores de primeira ordem. Assim faziam os empiristas ingleses para os quais um signo S, a palavra triângulo, por exemplo, desencadeava inconscientemente a presença subrogatória das representações individuais, a sabor às representações de cada espécie de triângulo. Kant nos mostrou que a síntese dessas representações, dependia de um conceito entendido como uma função de unidade, realçando, portanto, os aspectos formais do problema. Abandonando a concepção kantiana de forma, que, em última instância depende do poder aglutinador do cogito, acreditamos encontrar o mesmo poder de síntese no fato do comportamento, em virtude de operar num contexto social, ficar subordinado a contingências de reforço que, além de possuírem os conteúdos apontados por Skinner, possuem as novas determinações formais que procuramos discernir.
O comportamento operante é sucedâneo da antiga noção de vontade. Como se coloca essa tradicional questão, digamos, para o comportamento reflexionante? Se certos comportamentos passam a ter, como pressuposto, um conjunto indefinido de consequências antecipadas, a própria efetivação desse comportamento importa no cumprimento de uma dessas consequências, reafirmando o resultado como idêntico a qualquer uma delas; põe assim simultaneamente um mesmo que é um outro. Na medida em que a posição de um conteúdo repõe uma forma, pode essa forma ser tomada como “capacidade” de furtar-se a todo conteúdo, embora tal “capacidade” se resuma na forma instaurada pela própria posição de um conteúdo qualquer. A vontade, portanto, nada mais é do que uma dimensão do comportamento reflexionante, isolada de sua efetuação: representa o lado passivo da negatividade imanente ao próprio processo. Estritamente falando, cabe dizer então que só temos vontade de uma coisa, porque temos vontade de uma coisa de outrem, já que a antecipação só pode nascer no episódio social. Daí instalar-se uma dialética em que, numa última instância, a vontade fica na dependência das relações sociais de produção. Uma coisa é ter vontade de uma fruta, quando a vontade surge ilusoriamente como a manifestação direta de um sujeito individual. Outra, é ter vontade de uma mercadoria, do capital ou do lucro, quanto ela, se não se resume num desejo nostálgico e ineficaz, se efetiva por meio da apropriação de coisas de que o outro tem o monopólio. Nessas circunstâncias, a vontade se dissolve num momento efetivo de um processo que se dá além das vontades individuais.
VII. O fetiche da cultura
Fazer distinções dessa ordem é como dividir em quatro a ponta de um fio de cabelo. Mas a tradição filosófica já se acostumou a tais sutilezas quando enfrenta o problema da forma; particularmente quando o coloca num movimento dialético. Vimos que à resposta se incorpora, como uma propriedade dela uma parte do operandum ou, de um modo geral, uma parte do meio ambiente. Não produz, pois a Lei do Efeito apenas uma simples alteração e modelagem da resposta — continuadamente como quer Skinner, descontinuada e seletivamente, como sugere Staddon, pouco importa. Indica ademais que um pedaço da natureza bruta começa a participar do comportamento. Quais são os limites e as fronteiras desse pedaço? Como ele se determina enquanto momento da ação? A simples marca traçada na parede da gaiola pertence ao estirão do pescoço do pombo; o mesmo porém ocorre com o disco bicado, que desencadeia o mecanismo de apresentação do alimento. A intromissão nesse contexto duma relação social só pode ser feita por intermédio de uma coisa, desde o corpo do outro até a vibração sutil e passageira de sua voz. Daí formar-se entre o antecedente da resposta e o reforço, uma sequência de fenômenos naturais ligados entre si e circunscrevendo um pequeno sistema “determinista”. Não há dúvida de que os fenômenos desse sistema provém do entrelaçamento de causas mais diversas, as quais o alimentam do exterior, mas, do mesmo modo que devemos considerar espontâneo o operante porque suas causas anteriores não intervêm diretamente no processo de sua determinação, cabe igualmente separar, de um lado as causas adventícias, de outro a sequência de fenômenos que emergem no intervalo entre a resposta e o reforço. A unidade de todos eles se intera e se perfaz na medida em que se converter em momentos do processo global das contingências do reforço; unidade por certo sempre em movimento, incorporando novas partes, desligando outras, formando todavia com o organismo um todo, dotando-lhe de uma auréola natural, ou seja, prolongamento inorgânico de seu corpo, instaurado por ele e que o instaura.
Descartando a hipótese, demasiado abrangente, do determinismo laplaciano, a Física de hoje considera sistemas de determinação causal ou funcional circunscritos, cujos modelos se aplicam a parcelas do universo. Se ainda assume uma perspectiva global, o faz clivando o real em níveis diferentes. Com isso desaparece a imagem do mundo como se fosse um grande relógio criado por Deus, mas abandonado à sua própria sorte. Não circunscreverão o organismo e seu meio um sistema fechado semelhante? A partir daí, a hipótese do reducionismo parece ser a mais simples, viável e convincente. Por que não tomar as formas elementares do comportamento e construir passo a passo as figuras mais complexas do espírito? No final das contas, os homens também fazem parte desse ambiente, de sorte que tudo se resumiria em saber quais as variáveis experimentais responsáveis por qualquer tipo de conduta. Na explicação dessas unidades, inseridas entre o organismo e o meio, caberia o papel preponderante aos sistemas de reforço, sendo eles que, de um lado, emprestariam perdurabilidade à ação, de outro, modelariam e selecionariam as condutas mais apropriadas à sobrevivência da espécie. Já que entre os homens tais sistemas incorporam reforços especificamente sociais, a cultura e a natureza, domada pelo trabalho, transformar-se-iam na carta determinando as rotas das condutas individuais. A cultura, sistema de reforços notadamente generalizados, chegaria até mesmo a estipular as condições da unificação dos comportamentos na unidade da pessoa e, particularmente graças ao auxílio da linguagem, da consciência de si. Sob esse aspecto, depois da construção paciente dos conceitos na base de uma lógica de classes de equivalentes, a cultura vem colocar-se como a matriz das diferenças, o repositório das experiências passadas, a imprimir ao mundo um mapeamento datado e particular. E seu próprio destino, suas condições de sobrevivência, dependeria das possibilidades abertas pelos reforços que comportar; algumas estariam desprovidas de futuro, outras teriam a sorte de carregar no seu bojo um sistema de gratificações capaz de estimular seus programadores a delinear as dificuldades dela e propor um projeto efetivo de mudança. Tudo isso, evidentemente, sem levar em conta a liberdade e a dignidade humanas, velharias de que urna psicologia científica e a tecnologia, desenvolvida por ela, devem desembaraçar-se. Nem mesmo cabe a pergunta de quem formará os tecnocratas encarregados dessa planificação redentora, deste primeiro de abril sem repressão, porquanto é a própria cultura que poderá conter ou não os elementos dinâmicos responsáveis pela mudança. Tudo repousa numa questão de fato, fado que a História lega a cada cultura particular.
Este é o Paraíso idílico do pensamento burocrático, pois nem mesmo cabe ao funcionário da comunidade ser responsável por seus acertos e seus enganos. Mas em seu seio vamos encontrar um pecado que o corrói por dentro. Na constituição do reforço generalizado, graças à mediação de um processo social de substituição, desponta uma antecipação, uma anteposição dos reforços a serem obtidos pela conduta. A unidade determinista, formada pelo operante e seu meio, determina assim uma antevisão de um fim, meramente formal mas efetivo, de sorte que, no lugar do movimento cego e “objetivo”, nasce a imbricação da causalidade (ou da funcionalidade) com a finalidade, instaurando o movimento circular e vivo da reflexão objetiva. Não há dúvida de que a ação social sobre o meio circunscreve sistemas fechados, regidos por leis estritamente “naturais”, mas seu balizamento, entretanto, fica na dependência da anteposição de certos fins, valores, regras, ou representações, como se queira, os quais, se na verdade são anteriores à ação, só se instauram e explicitam no processo concreto de sua reposição. Convém portanto insistir na complementaridade da explicação funcional com a explicação finalista. Isto não quer dizer que pretendamos renovar os preceitos kantianos que aconselham prolongar a procura das “causas” até seus últimos limites, quando então, desprovidos de seu auxílio, seríamos obrigados a recorrer, de modo provisório, à ideia de totalidade, de finalidade interna. Convém reconhecer desde logo que a circunscrição de um sistema não-finalizado se faz em vista de certas metas, as quais não provem do exterior mas nascem de seu próprio cerne, de seu próprio processo de circunscrição. Em vez de pensarmos a partir da ótica da epistemologia, que reporta a explicação causal ou funcional para o lado das coisas e a explicação finalista para o lado dos valores que ordenam nossa intervenção sobre essas coisas, parece-nos mais frutífero tomar de vez o partido da ontologia e procurar, no modo de constituição dos sistemas, a maneira pela qual o real se efetiva como um todo, contrabalançando meios “mecânicos” e propósitos. Procedimento que não traz um valor de fora, mas procura estabelecer como tais representações se instauram graças ao próprio movimento de reposição do sistema. No entanto, desde o momento em que assumidas certas representações, que certas condutas humanas se efetuam condicionadas pela anteposição do efeito, não nos defrontamos com os problemas relativos à identidade dos efeitos, da equivalência proposta pelas trocas e assim por diante, em suma, com a questão dos universais que se imbricam nas ações e nas coisas? E assim nos afastaremos definitivamente da posição epistemológica, para a qual esses universais sempre se resolvem em conceitos do investigador, sejam tais conceitos interpretados como classes ou reproduções mentais.
É de notar que desta nova perspectiva nem todos os compartimentos se situam ao mesmo nível. Para a Psicologia experimental sorrir ou fabricar um objeto se subsumem sob a mesma categoria homogeneizadora de comportamento. E assim deve ser enquanto esta ciência não enfrenta o problema da transmissão de técnicas e conhecimentos, enquanto não se puser a examinar os mecanismos que permitem a herança cultural e, por conseguinte, a matriz da História. Desta ótica mais globalizante, se, na verdade, toda ação humana é comportamento, nem todo comportamento pode ser compreendido como um processo de contingências de reforço, que não introduza o modo de produção dos objetos reforçados, em suma, se não abandonar a perspectiva do consumo e atentar para a forma da produção que lhe atribui o caráter de modo. Também uma produção se faz por meio de comportamentos, mas não se resolve neles, pois é mister considerar, ademais, as determinações formais que os objetos adquirem ao se colocarem como termos finais de um ato produtivo e, em seguida, termos iniciais de outro ato da mesma espécie. Em suma, é preciso incorporar a noção de consumo produtivo, de um trabalho que ao mesmo tempo consome o objeto para conservar nele o trabalho passado. Em outras palavras, a partir do momento em que nos defrontamos com o problema da História, cabe discernir dentre os comportamentos aquele capaz de antecipar seu próprio resultado e, graças a isso, extrair o objeto do contexto da natureza bruta para transformá-lo numa força produtiva. Esse comportamento só pode ser o trabalho que, além de produzir o objeto por meio de todas aquelas diferenciações consideradas por Skinner ao examinar a modelagem operada pelo reforço, imprime à coisa algo completamente novo, a despeito dessa novidade absoluta se revolver numa forma inédita. Não a forma enquanto figura, mas a forma enquanto momento determinado de um processo. Nem todo fazer é trabalho, só o trabalho porém empresta a qualquer fazer sua responsabilidade histórica. Somente ele rouba os frutos da natureza para transformá-los em forças produtivas, sistema de forças físicas domadas por fins precisos. O que significaria a travessia de César pelo Rubicão sem o trabalho que havia forjado as armas de seus soldados, os caminhos que os levaram até Roma, os latifúndios que demandavam a centralização do poder?
No lugar do balanço entre os meios naturais e os fins, Skinner reafirma o absolutismo polo qual tudo deve ser descrito e explicado pelos termos da Física, pelo qual o ser se identifica com o manipulável. Não lhe ocorre que o comportamento possa implicar novas formas do real. E para manter-se nos estreitos limites dessa posição epistemológica, deve recorrer a uma noção fetichizada de cultura, que adiciona aos estímulos reforçadores naturais, os estímulos discriminativos produzidos pelo próprio homem. Qual é a gênese de tais estímulos? Como se originaram todos esses sistemas de sinais coordenadores da conduta do homem e do próprio cientista? Provém da História, duma histórica mítica da generalização da qual não temos nenhuma notícia e sobre a qual não temos nenhum controle científico. Esta, no fundo, não passa de um mito de origem que explica as dificuldades do presente pela dramatização dessas mesmas dificuldades no passado. Num âmbito tão vasto, a generalização progressiva não passa de uma fábula. Isto nos leva a uma questão crucial: o edifício de Skinner repousa numa concepção da História, onde o tempo é um passar sucessivo sem qualquer espécie de retomo, indiferente à sorte dos fenômenos que engloba. Injustificadamente, transpõe para a História a ideia do tempo desenvolvida pela Física, tempo parâmetro a balizar todos os acontecimentos. Contra essa posição, procuramos mostrar que o tempo da conduta social não se resolve numa sucessão, pois o conjunto dos efeitos é anteposto, o que vem quebrar a inércia da linearidade. E não pode ser de outra maneira, porque não nos fazemos no tempo, mas transformamos o tempo num elemento de nossa própria conduta. Já os resultados de Staddon evidenciam a necessidade de considerar mais de perto a economia de tempo que se manifesta nos comportamentos mais elementares. Tentamos explicar como a progressão indefinida dos efeitos passa a determinar formalmente a conduta na qualidade de representação. Isto não importa em aglutinar no presente da pressuposição o fluxo progressivo dos efeitos, tomando simultânea a multiplicidade posta pela própria ação? Abre-se-nos assim uma pista para compreender como a intromissão de relações sociais no relacionamento do homem com o meio altera a temporalidade improdutiva a que o animal está submetido, criando a copresença dos sistemas de estímulos discriminativos, das regras, enfim, de tudo aquilo que a sucessão de nossos comportamentos instaura e alimenta ao nível da contemporaneidade. Se não nos contentarmos em transformar a cultura num fetiche legado por nossos ancestrais, não consiste a primeira tarefa em elucidar como o escoamento das condutas dos indivíduos põe o presente da História Contemporânea, para empregar uma expressão de Marx? E acreditamos ser neste jogo entre sucessão posta e temporalidade pressuposta, entre o escoamento do suceder e a atemporalidade da estrutura que se faz a História do Homem. Nela se dá a ruptura progressiva com a temporalidade animal, o surgimento de metas, a circunscrição de forças naturais sob tais metas, a constituição de processos autônomos de que os comportamentos e os objetos fazem parte integrante, abrindo-se, por conseguinte, no determinismo natural a fratura por onde se infiltra a liberdade e a dignidade.
Cabe, entretanto, não perder de vista as lições que o behaviorismo nos ministra. Polemizando com os estados de consciência, transfere a responsabilidade pela determinação do comportamento para as variáveis físico-culturais do ambiente. Parecem-nos de grande importância as tentativas, como a de Staddon, que procuram recuperar certas unidades biológicas, certos princípios de variação do comportamento, anteriores ao relacionamento direto do organismo com o meio e que, por conseguinte, põem em causa a interpretação da Lei do Efeito na base da ideia redutora de modelagem. Sejam quais forem todavia os resultados dessas investigações, não nos parece viável retroceder ao ponto de retirar do reforço sua função de determinante material, ainda que esta se faça pelos mecanismos da seleção. No caso contrário, recairíamos nos enganos de uma explicação mentalista reificadora, que se contenta em referir-se a regras interiorizadas, hábitos e assim por diante, posição que, deixando de especificar as condições de reposição desses “estados” pensa a representação como uma coisa ou uma função de unidade desenraizada do cogito. Nossa tentativa de mostrar como, na estruturação social do reforço, nasce uma representação, não deve ser interpretada como uma prova de que devemos voltar pura e simplesmente ao cognocivismo. Desde que essas representações sejam formas provenientes da própria ação, cognoscivistas e behavioristas não passam a configurar o anverso e o reverso da mesma moeda, cada um estacando no meio do caminho que os levaria ao estudo da reflexão objetiva? Não são tais processos, que integram comportamentos e .objetos, as unidades de que devemos partir para compreender os fenômenos da cultura? Se a universalidade atualizada na representação gera-se, graças à presença do outro, pela universalidade implícita na generalização do reforço; se ambos constituem universais determinados de modos diferentes conforme ocupem lugares diferentes no próprio processo de ação, não se resolve o antagonismo entre a regra e o reforço em virtude do simples entrelaçamento das posições? A questão não reside em saber se existe ou não uma representação, uma variável intermediária na caixa escura, mas em examinar o papel desempenhado pelo universal como resultado ou pressuposto da ação. Aprofundar essa questão nos levaria ao terreno da filosofia da linguagem, o que por ora foge aos nossos propósitos.
Pensar cada reforço no interior do movimento de sua constituição é fazer da materialidade dele a intersecção dos vários movimentos reflexionantes de que participa. É ver na caneta o instrumento pelo qual deixo no papel um traço negro, tremido e descontínuo, que, se reforça o trabalho de minha mão, também serve de estímulo discriminativo para o ato de escrever a próxima palavra. Um instrumento que, ademais, ganhei há tempos de uma pessoa querida, que por sua vez o comprou numa loja, onde ele se expunha descaradamente sob o brasão de seu preço, indicando que esta caneta individual consiste apenas numa parcela de um valor que indiferentemente se encarna neste ou noutro objeto qualquer, mercadoria, cujas leis de identificação não são as mesmas daquelas de uma coisa apenas útil. É ver na voz, o som seco ou sonoro que não percebo como som, mas a presença resultante de mecanismos ocultos de constituição, que fazem dela o cruzamento de produções fonéticas, sintéticas e semânticas, todas elas presentes na maneira pela qual este som se projeta em várias direções. É, em suma, ver, em cada parcela do real uma coisa à mão, cuja presença não se esgota na neutralidade do estímulo, simples membro indiferente de um conjunto, mas vibra no seu relacionamento com o outro, na medida em que comparece, enquanto momentos diferentes em posições diversas, no interior de múltiplas ações. Não é tão-somente um objeto provido de sentido, simplesmente porque existe no cruzamento de referências noemáticas de que uma consciência soberana tem menção; é antes de tudo uma coisa que se dá na qualidade terminal de um sistema produtivo, que, se na verdade funciona no seu dorso, precisa comparecer nela, determinando-a formalmente como um de seus momentos. Só assim a coisa anima a conduta, pois sua face desvela a presença de outras condutas passadas ou futuras. A coisa é o sintoma de múltiplas ações.
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No lugar do balanço entre os meios naturais e os fins, Skinner reafirma o absolutismo polo qual tudo deve ser descrito e explicado pelos termos da Física, pelo qual o ser se identifica com o manipulável. Não lhe ocorre que o comportamento possa implicar novas formas do real. E para manter-se nos estreitos limites dessa posição epistemológica, deve recorrer a uma noção fetichizada de cultura, que adiciona aos estímulos reforçadores naturais, os estímulos discriminativos produzidos pelo próprio homem. Qual é a gênese de tais estímulos? Como se originaram todos esses sistemas de sinais coordenadores da conduta do homem e do próprio cientista? Provém da História, duma histórica mítica da generalização da qual não temos nenhuma notícia e sobre a qual não temos nenhum controle científico. Esta, no fundo, não passa de um mito de origem que explica as dificuldades do presente pela dramatização dessas mesmas dificuldades no passado. Num âmbito tão vasto, a generalização progressiva não passa de uma fábula. Isto nos leva a uma questão crucial: o edifício de Skinner repousa numa concepção da História, onde o tempo é um passar sucessivo sem qualquer espécie de retomo, indiferente à sorte dos fenômenos que engloba. Injustificadamente, transpõe para a História a ideia do tempo desenvolvida pela Física, tempo parâmetro a balizar todos os acontecimentos. Contra essa posição, procuramos mostrar que o tempo da conduta social não se resolve numa sucessão, pois o conjunto dos efeitos é anteposto, o que vem quebrar a inércia da linearidade. E não pode ser de outra maneira, porque não nos fazemos no tempo, mas transformamos o tempo num elemento de nossa própria conduta. Já os resultados de Staddon evidenciam a necessidade de considerar mais de perto a economia de tempo que se manifesta nos comportamentos mais elementares. Tentamos explicar como a progressão indefinida dos efeitos passa a determinar formalmente a conduta na qualidade de representação. Isto não importa em aglutinar no presente da pressuposição o fluxo progressivo dos efeitos, tomando simultânea a multiplicidade posta pela própria ação? Abre-se-nos assim uma pista para compreender como a intromissão de relações sociais no relacionamento do homem com o meio altera a temporalidade improdutiva a que o animal está submetido, criando a copresença dos sistemas de estímulos discriminativos, das regras, enfim, de tudo aquilo que a sucessão de nossos comportamentos instaura e alimenta ao nível da contemporaneidade. Se não nos contentarmos em transformar a cultura num fetiche legado por nossos ancestrais, não consiste a primeira tarefa em elucidar como o escoamento das condutas dos indivíduos põe o presente da História Contemporânea, para empregar uma expressão de Marx? E acreditamos ser neste jogo entre sucessão posta e temporalidade pressuposta, entre o escoamento do suceder e a atemporalidade da estrutura que se faz a História do Homem. Nela se dá a ruptura progressiva com a temporalidade animal, o surgimento de metas, a circunscrição de forças naturais sob tais metas, a constituição de processos autônomos de que os comportamentos e os objetos fazem parte integrante, abrindo-se, por conseguinte, no determinismo natural a fratura por onde se infiltra a liberdade e a dignidade.
Cabe, entretanto, não perder de vista as lições que o behaviorismo nos ministra. Polemizando com os estados de consciência, transfere a responsabilidade pela determinação do comportamento para as variáveis físico-culturais do ambiente. Parecem-nos de grande importância as tentativas, como a de Staddon, que procuram recuperar certas unidades biológicas, certos princípios de variação do comportamento, anteriores ao relacionamento direto do organismo com o meio e que, por conseguinte, põem em causa a interpretação da Lei do Efeito na base da ideia redutora de modelagem. Sejam quais forem todavia os resultados dessas investigações, não nos parece viável retroceder ao ponto de retirar do reforço sua função de determinante material, ainda que esta se faça pelos mecanismos da seleção. No caso contrário, recairíamos nos enganos de uma explicação mentalista reificadora, que se contenta em referir-se a regras interiorizadas, hábitos e assim por diante, posição que, deixando de especificar as condições de reposição desses “estados” pensa a representação como uma coisa ou uma função de unidade desenraizada do cogito. Nossa tentativa de mostrar como, na estruturação social do reforço, nasce uma representação, não deve ser interpretada como uma prova de que devemos voltar pura e simplesmente ao cognocivismo. Desde que essas representações sejam formas provenientes da própria ação, cognoscivistas e behavioristas não passam a configurar o anverso e o reverso da mesma moeda, cada um estacando no meio do caminho que os levaria ao estudo da reflexão objetiva? Não são tais processos, que integram comportamentos e .objetos, as unidades de que devemos partir para compreender os fenômenos da cultura? Se a universalidade atualizada na representação gera-se, graças à presença do outro, pela universalidade implícita na generalização do reforço; se ambos constituem universais determinados de modos diferentes conforme ocupem lugares diferentes no próprio processo de ação, não se resolve o antagonismo entre a regra e o reforço em virtude do simples entrelaçamento das posições? A questão não reside em saber se existe ou não uma representação, uma variável intermediária na caixa escura, mas em examinar o papel desempenhado pelo universal como resultado ou pressuposto da ação. Aprofundar essa questão nos levaria ao terreno da filosofia da linguagem, o que por ora foge aos nossos propósitos.
Pensar cada reforço no interior do movimento de sua constituição é fazer da materialidade dele a intersecção dos vários movimentos reflexionantes de que participa. É ver na caneta o instrumento pelo qual deixo no papel um traço negro, tremido e descontínuo, que, se reforça o trabalho de minha mão, também serve de estímulo discriminativo para o ato de escrever a próxima palavra. Um instrumento que, ademais, ganhei há tempos de uma pessoa querida, que por sua vez o comprou numa loja, onde ele se expunha descaradamente sob o brasão de seu preço, indicando que esta caneta individual consiste apenas numa parcela de um valor que indiferentemente se encarna neste ou noutro objeto qualquer, mercadoria, cujas leis de identificação não são as mesmas daquelas de uma coisa apenas útil. É ver na voz, o som seco ou sonoro que não percebo como som, mas a presença resultante de mecanismos ocultos de constituição, que fazem dela o cruzamento de produções fonéticas, sintéticas e semânticas, todas elas presentes na maneira pela qual este som se projeta em várias direções. É, em suma, ver, em cada parcela do real uma coisa à mão, cuja presença não se esgota na neutralidade do estímulo, simples membro indiferente de um conjunto, mas vibra no seu relacionamento com o outro, na medida em que comparece, enquanto momentos diferentes em posições diversas, no interior de múltiplas ações. Não é tão-somente um objeto provido de sentido, simplesmente porque existe no cruzamento de referências noemáticas de que uma consciência soberana tem menção; é antes de tudo uma coisa que se dá na qualidade terminal de um sistema produtivo, que, se na verdade funciona no seu dorso, precisa comparecer nela, determinando-a formalmente como um de seus momentos. Só assim a coisa anima a conduta, pois sua face desvela a presença de outras condutas passadas ou futuras. A coisa é o sintoma de múltiplas ações.
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Nota: Leram e discutiram as primeiras versões deste texto ex-colegas da Universidade de São Paulo (Departamento de Fi1osofia e Instituto de Psicologia), em particular Hugh Lacey e Luiz Henrique dos Santos; além de meus atuais companheiros do CEBRAP, notadamente Elsa S. Berquó. A todos agradeço as valiosas sugestões que vieram enriquecer este ensaio.
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Referências
LACEY, Hugh. “Problemas metodológicos da concepção behaviorista da linguagem”. Discurso (Revista do Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo) n. 2, 1971, pp.
KELLER & SCHONEHELD. Princípios de psicologia — Herder — São Paulo, 1966.
SHICK, R. “Operants”; Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 1971, 15. 413-4 23
SKINNER, B.F. The Behavior of Organism, An experimental analysis, Appleton-Century-Crofts, Inc., Nova York, 1938.
______. Science and Human Behavior, The Free Press, Nova York, 1953
______. Ciência e comportamento humano, tradução de João Cláudio Todorov e Rodolpho Azzi, Editora Universidade de Brasília, 2ª edição, 1970.
______. Verbal Behavior, Appleton-Century-Crofts, Nova York, , 1957.
______. Cumulative Record, Appleton-Century-Crofts, Nova York, 1959.
______. Contingencies of Reinforcement. A thuretical analysis, Appleton-Century-Crofts, Nova York, 1969.
STADDON, J.E.R. e SIMMELHAG, Virginia T., “The superstition, experiment: A reexainination of its implication for the principles of adaptative behavior”; Psychological Review, 1971, vol. 78, n. 1, pp 3-43.
IKE, Edward L. Secondary Reinforcement. Selected Experiments; Harper & Row — Publishers, Nova York, Londres, 1966.
WILLIAMS, David R. e W1LLIAMS, Harriet. “Auto-maintenance in the Pigeon: Sustained Peking Despite Contigent Non-Reinforcement”. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 1969, 12, 511 -520.
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GIANNOTTI, J. A. “O que é fazer? Para a crítica da noção de comportamento”. In: Estudos Cebrap, 9. pp. 80-127, 1974.
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______. Contingencies of Reinforcement. A thuretical analysis, Appleton-Century-Crofts, Nova York, 1969.
STADDON, J.E.R. e SIMMELHAG, Virginia T., “The superstition, experiment: A reexainination of its implication for the principles of adaptative behavior”; Psychological Review, 1971, vol. 78, n. 1, pp 3-43.
IKE, Edward L. Secondary Reinforcement. Selected Experiments; Harper & Row — Publishers, Nova York, Londres, 1966.
WILLIAMS, David R. e W1LLIAMS, Harriet. “Auto-maintenance in the Pigeon: Sustained Peking Despite Contigent Non-Reinforcement”. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 1969, 12, 511 -520.
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GIANNOTTI, J. A. “O que é fazer? Para a crítica da noção de comportamento”. In: Estudos Cebrap, 9. pp. 80-127, 1974.
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