quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Para uma crítica da filosofia analítica


por Pedro Mota
Filosofia da Terra/2013

Apesar dos obstáculos com que desde o início se depararam no seu projecto, os neopositivistas acreditaram, e nisso deram provas suficientes, que com esta estratégia seriam capazes, primeiro, de mostrar que a lógica aristotélica, que foi totalmente sistematizada nos séculos XVII e XVIII, no seu verão de São Martinho, designadamente pelos lógicos de Port Royal, era demasiado pobre para extrair todas as relações computáveis da linguagem, o que desde logo abrigava vícios de raciocínio inintencionais, e, em segundo lugar, de tornarem patentes – ou pelo menos tecnicamente contra-argumentáveis – as falácias escondidas no emprego espontâneo das línguas.

Poderiam, assim, com demonstrações técnicas rigorosas, suprimir, os paralogismos, derivados nomeadamente da extensão do emprego das regras lógico-linguísticas para além dos seus limites de aplicação (paradoxo de Cantor, Russell, etc.) e as auto-ilusões semânticas resultantes do facto das palavras terem um significado que parece designar sempre um objecto ou um referente (reificação da partícula sincategoremática, ou símbolo incompleto, “é”, paradoxos de auto-referência por confusão entre níveis conceptuais, por exemplo “estou a mentir”).

A palavra “é” apresenta, com efeito, grande equivocidade na linguagem natural. É frequente a incapacidade em se distinguir numa locução se essa “conectiva” representa (1) a existência – o cálculo de predicados restringe-a à presença duma variável, dum objecto lógico que não pode estar em situação de predicado, (2) a pertença de um indivíduo a uma classe, (3) a identidade, (4) a inclusão de uma classe noutra. Ou, pelo menos, não distinguimos de maneira precisa estas funções.

É preciso, no entanto, sublinhar que a “filosofia analítica” ao pôr em evidência diversos significados e, portanto, usos funcionais ou sintácticos da partícula “é” não o faz de modo neutro mas declara, em prol da neutralidade ontológica, que nem todos eles são aceitáveis numa linguagem perfeita.

O “neopositivismo” e o seu herdeiro, a “filosofia analítica”, não são pura “lógico-matemática” mas uma interpretação epistemológica desta na sua relação com o objecto do conhecimento, qualquer que seja também a interpretação que faz deste.

Assim, a semântica da chamada “linguagem perfeita” elimina o valor ontológico de “é”, recusando apresentá-la no lugar do predicado. Immanuel Kant, no âmbito da sua doutrina agnóstica, já havia argumentado que o termo “é”, ou um seu sinónimo, não constitui um predicado, não acrescentando qualquer atributo a um objecto do conhecimento mas apenas indicando a relação do objecto a um predicado.

Gottlob Frege refinou a análise do termo, reforçando o estatuto meramente formal da “existência”: a “existência” é na verdade um predicado mas de 2ª ordem, quer dizer, um predicado que só pode ser atribuído a conceitos, predicados ou funções e não a objectos ou a seres. Seria incorrecto dizer “o homem existe” ou “Lisboa é”.

Todavia, se nos colocarmos num outro ponto-de-vista filosófico, temos de mudar os critérios de aceitabilidade, dado que cada um deles fará significar “é” ou “existe” o que cada um quer que signifique no interior do sistema ou atitude. Porque não está na estrutura em-si da linguagem que assim seja mas numa sua interpretação. A questão não está, portanto, numa linguagem em si, universalmente estruturada, mas na concepção do mundo subjacente à linguagem, que dizendo-a, se constitui num correlativo sistema sintáctico-semântico. A linguagem não consiste num molde rígido ao qual o pensamento se teria de acomodar.

Recorde-se agora que a lógica aristotélica é uma mera lógica da inclusão, das propriedades substantivas, coisistas; não tem em conta as “relações” nem o facto destas serem propriedades – reais ou não, dependendo da ontologia adoptada: “João é pai de Manuel”; “15 é triplo de 5”.

Muito bem, na matemática contemporânea cada conjunto é também susceptível de ser tomado como indivíduo, isto é, como elemento de outros conjuntos, que serão assim, digamos, de 2º nível, para os quais os primeiros poderão ser números, exigindo pois a distinção entre os conceitos de “pertença” de indivíduos e de ”inclusão”, o que se deve ao matemático Peano.

Além destas diferenças, há uma outra de assinalável relevância. Não se dá o caso de existirem na lógica aristotélica dois símbolos alternativos que permitam suprimir uma determinada confusão que ocorre na linguagem natural, a qual, por isso, admite raciocínios como o seguinte: “Os apóstolos são doze. Pedro e Paulo são apóstolos. Logo, Pedro e Paulo são doze.” O motivo desta falácia: “12” é um predicado aplicável a um conjunto; “Pedro” e “Paulo” são elementos do conjunto; os elementos do conjunto não possuem a propriedade do conjunto. Dá-se-lhe actualmente o nome de falácia da divisão: supor que as partes do todo têm de ter as propriedades do todo. Por outras palavras, ela sucede quando o predicado é transportado do todo para as partes.

Os dois sinais de Peano indicam a regra segundo a qual há níveis tipológicos de objectos (indivíduos, conjuntos e conjuntos de conjuntos, talvez ad infinitum) a que, portanto, não se admite aplicarem-se simultaneamente os mesmos predicados.

Com esta descoberta, exposta na teoria dos tipos de Russell, procurou obviar ao célebre paradoxo da teoria dos conjuntos de Cantor, construção que se encontra na divisória da matemática e da lógica, da génese conceptual ou intuitiva de objectos e da formalização que vigia – com irritante mas talvez necessária burocracia – a consistência de tais operações mentais.

A linguagem artificial sofreu, portanto um desenvolvimento. Mas ela não deixa de ser, para o “neopositivismo”, uma “região”, um “lugar” cognitivo, de pura universalidade, ou região lógica (cujos sinais possuem um valor operatório abstracto definido pela semântica pura).

Foi por isso que a lógica completou por si mesma, ao longo do tempo, os critérios independentes de validade proposicional e demonstrativa que devem subjazer a uma codificação perfeita do conhecimento.

Em suma, ela encontrar-se-ia à parte do mundo natural, da pratica social, da história do pensamento, do sujeito cognitivo e da vivência psicológica. Karl Popper chamará a este domínio de “Mundo 3”.

A partir daqui chega-se a um ponto de não retorno filosófico. Como mostra Jean Piaget, “a lógica já não é concebida como um conjunto de normas de verdade, no sentido clássico do termo, mas essencialmente como um conjunto de estruturas coerentes cuja função principal é a de pôr à disposição das ciências formas de expressão precisas aplicáveis a conteúdos quaisquer e permanecendo ao mesmo tempo independentes deles”.

Nesta medida para Piaget “A posição do Círculo de Viena [Neurath, Carnap] consiste somente em substituir por um nominalismo integral todas as formas conhecidas de realismo lógico, assentes na natureza do sujeito ou na de objectos exteriores a ele.”

É exemplificativo do empirismo nominalista e de tendência solipsista do positivismo lógico o facto de Rudolf Carnap ter escrito, numa das obras fundamentais dessa corrente filosófica, que, afim de se evitar ambiguidades e ficções ontológicas, em vez de se dizer “a lua é uma coisa”, se deve dizer que “a lua é uma coisa-nome”.

Alfred Ayer, outro dos seus principais representantes, declara: “Nós sabemos que pode ser possível definir as coisas materiais em termos de conteúdos sensoriais, porque é apenas em virtude de certos conteúdos sensoriais que se pode verificar a existência de uma coisa material”, no que está implícita a ideia de que uma coisa material se reduz, para todos os efeitos relativos ao homem, começando pelo conhecimento, a conteúdos sensoriais.

Contestando este fenomenismo, Henri Lefebvre lembra que “a noção de conteúdo sensorial, ou sensação pura, é uma noção ultrapassada; filósofos e psicólogos mostraram centenas de vezes que a sensação e a percepção não são somente complexas como implicam um elemento prático (motricidade, tendências, reflexos, actividade coordenada, projectos de acção, etc.)”, com efeito tudo o que os positivistas lógicos se recusam a aceitar.

Vem, assim, a propósito citar certa passagem de um autor que, tendo pouco a ver com a investigação lógica, não compreende menos, pelos seus conhecimentos sobre a arte como realidade social, a pobreza de uma doutrina que insista nas sensações puras, às quais se mitigariam os objectos, “classes de aparências”, traduzíveis, de acordo com a terminologia de Russell, nas chamadas “proposições protocolares” por correspondência mútua mais ou menos directa. 

Esse autor é Pierre Francastel, e escreveu o seguinte: “Admitindo, pois, que acima da experiência sensorial imediata existe uma experiência mais complexa, socialmente institucionalizada, da qual os homens de uma época bebem necessariamente em comum, [...] é-se levado a considerar que toda a interpretação teórica que reenvia a uma noção simples do real é errada”.

Talvez fosse melhor dizer que a experiência sensorial, que não se reduz às impressões sensíveis brutas, inconscientes e inobjectivas, é interior à experiência social do ser consciente que é o homem.

É, pois, com interesse que lemos na mesma obra de Francastel estas palavras: “Toda a representação se apoia finalmente em sistemas de significação que determinam os valores em função dos quais se precisam, por relação a um dado grupo de indivíduos, um sentido e, por assim dizer, a maliabilidade de uma forma. Através dos nossos sentidos somos colocados em contacto, permanentemente, com um mundo exterior, de que não se trata de negar a realidade nem de discutir a conformidade parcial com os múltiplos sistemas de causalidade que estabelecemos. A nossa consciência é sem cessar mantida em vigília por um influxo fresco de sensações brutas, susceptíveis de serem interpretadas de uma maneira inteiramente diferente de acordo com os homens e os ambientes. O nosso espírito utiliza, muito naturalmente, consoante os diversos tipos de homens, mensagens que lhes são transmitidas por um ou outro dos nossos sentidos. Tratando-se da vista, elabora um tipo específico de formas, isto é, de modos de interpretação e não de reprodução da natureza”.

E, muito mais naturalmente, estes diversos sentidos e as diversas modalidades da acção humana – vista, audição, tacto, gosto, motricidade coordenada, fala, pensamento –, condicionados pela cultura em que mergulham a sua formação, interagem convertendo cada modo sensorial num produto subordinado ao contexto perceptivo e social.

Quão longe estamos de qualquer das subcorrentes do neopositivismo! 

Entretanto, uma das suas expressão emblemáticas é a do “atomismo lógico” de Bertrand Russell (1905-18), de acordo com o qual existem “átomos linguísticos”, termos não analisáveis que têm correspondência com os elementos mais simples da realidade fenoménica, os dados dos sentidos, entidades percepcionadas como “físicas”, ambiguamente não mentais. Segundo a doutrina criada por Russell, a realidade, de resto correspondente à estrutura da linguagem, consiste na existência independente de termos, predicados e tipos de relações entre aqueles.

Tem, então, que se reforçar a ideia de que é actualmente partilhado pelos cientistas – como já fizeram notar os textos acima citados de Lefebvre e Francastel – que nem a linguagem nem a realidade exterior a ela é redutível a elementos autónomos, indecomponíveis, que existem e valem por si. O mundo não é composto de coisas mas de determinações recíprocas, e as ditas “coisas” nada mais são que funções de interacção, que as ciências objectivas, e não a lógica simbólica, fundada no modelo da teoria dos conjuntos e das estruturas algébricas, investigam, fazendo-se valer de teorias matemáticas, ou seja, de padrões de raciocínio, muito mais complexos e específicos.

Contudo, ainda muito recentemente autores que dominam o pensamento anglo-americano e tendem a impregnar uma parte cada vez mais substancial da reflexão e do ensino filosófico do mundo inteiro, voltaram a defender, transposta para o locus da “significação”, uma estratégia cognitiva semelhante, sob os designativos de “molecularismo semântico” e de “atomismo semântico”.

Michael Dummett (1978) resume o significado de uma expressão à relação entre um pequeno número de expressões da linguagem de pertença, como se pudéssemos compreender exaustivamente o significado de uma palavra, como se não houvesse polissemia e como se a língua, com o seu sistema sintáctico-lexical “fixo” e a sua “inexistente” correlação prática com o mundo, não fosse objecto e agente de mudanças na significação das palavras e locuções nos actos comunicativos; desprezando a antropo, sócio e ontogénese da linguagem e das línguas, Dummett acaba por limitar a sua semântica a uma noção ingénua, abstraída do contexto humano, de constituição analítica e sintética de significados por si-mesmos.

Jerry Fodor (1992) é ainda mais radical na analogia química: como muitos outros, sustenta a independência do significado de um qualquer nome face a todos os outros significados e nomes, de modo que podemos entender o significado da palavra dita por alguém sem termos de relacioná-la com outras.

Esta metafísica intelectualista supõe, repetimos, a existência de elementos últimos da realidade, assim como de relações formatadas em definitivo por uma qualquer “linguagem de termos, proposições e predicados”, que daria conta, à maneira da lógica aristotélica, das conexões verbais e sensíveis, tal que caberiam nela todas as operações lógico-linguísticas de valor cognitivo.

A “logística” não é uma “lógica do real”, uma doutrina das “leis universais de todos os domínios da realidade”, como, nomeadamente, pretexta o “materialismo histórico-dialéctico”.

Este, seja-nos permitida uma perífrase algo longa, é, por um lado, mais e, por outro, menos ambicioso, em virtude do extremo carácter genérico – porém concreto no sentido do conceito dialéctico – das suas “leis”, ontológicas e não apenas lógicas.

Estas, na “filosofia analítica”, definem a “metalinguagem”, as regras proposicionais universais e incondicionais, de qualquer ciência.

O materialismo histórico-dialéctico, ao invés, não prescreve um critério de cientificidade metacientífico, como o procura fazer a “filosofia analítica”, pois tem como convicção que o valor das asserções gerais provém dele se compenetrar dos próprios progressos metodológicos e positivos das ciências especiais e, deve dizer-se, da prática social.

As determinações concretas, científicas, dessas “leis reais” materialistas retroagiriam, de seguida, sobre o seu “sistema de leis genéricas”, sujeitando-o ao desenvolvimento científico, assim como à prática social. Esta retroacção seria garantia de concepção integral e coerente do mundo em interacção dialéctica com os critérios da prática e com o avanço nos conhecimentos particulares. Estes, por sua vez, são o objecto das disciplinas especiais, dotadas de uma multiplicidade de métodos e técnicas de investigação apropriados que nada de exterior, seja a filosofia que for, pode substituir ou ter interferência.

É, por exemplo, nula, na perspectiva desta filosofia, a contribuição da lei da “passagem da quantidade à qualidade” para a metodologia adequada de investigação e para a descoberta e formulação de leis científicas sobre fenómenos concretos que a confirmem, podendo, sem dúvida, dar-se o caso dramático de a infirmar.

Pelo contrário, como vimos, a “filosofia analítica” atribui-se o papel de se imiscuir no funcionamento e nos fins da ciência ao reivindicar determinar-lhe os limites cognitivos e poder revelar a sua estrutura lógica, necessária, eterna e imutável, com a semântica formal respectiva (interpretação operatória ou funcional dos símbolos da sua linguagem geral).

Precisando melhor, ela propõe-se exibir as condições de verdade genéricas, lógicas, das frases declarativas, de modo que possam ter valor científico, eliminando, mediante a semântica formal e restrições construtivas, pseudo-proposições de que resultariam pseudo-problemas, gerados por asserções que ultrapassariam, para a sua verificabilidade “empiricamente impossível”, o domínio fenoménico.

Ora, a “análise lógica”, como técnica de tradução de proposições linguísticas na mecânica lógico-simbólica, pode, inquestionavelmente, ser tida como gnoseológica e ontologicamente neutra.

Mas a sua neutralidade deixa de fora a conceptualização mais compreensiva ou intensiva e auto-reflexiva do pensamento real, para além do que a “filosofia analítica” aceita. Não há, por exemplo, um functor para a noção de “causa”. E precisamente ao deixar de fora, e de um certo modo, a complexidade do conhecimento objectivo permite o seu uso como instrumento duma gnoseologia subjectivista, o “empirismo lógico”.

Nomeadamente, a formalização lógico-semântica das já referidas palavras “causa”, “é”, etc., empobrece a complexidade e a variância científicas dos significados destas, particularizadas numa multiplicidade e diversidade de leis concretas.

O termo “causa” não se identifica, em qualquer delas, a não ser em termos muito abstractos, redutores e inexactos, com a semântica lógica – e apenas numa interpretação empirista, para a qual a “causa” é uma relação de simultaneidade ou de consequência de ideias –, quer com o sinal de conjunção estrita, quer com o sinal de “implicação”, enquanto “condição de ‘q’ para a ocorrência de ‘p’”, a qual é uma função de dois argumentos, isto é, uma função binária cuja semântica pura declara ser uma “relação verdadeira se e somente se ‘p’ é verdadeira então ‘q’ é verdadeira” em qualquer teoria.

E isso não porque a sua “interpretação lógica” compreenda, num denominador comum, todas as suas especificações possíveis, genericidade minimal que constituiria, por suposto, a sua riqueza. A questão reside no facto de não se tratar duma genericidade maximal, do seu conceito simultâneamente mais extensivo e intensivo, mas duma genericidade minimal, duma extensividade máxima e, portanto, puramente formal.

Um exame atento descobre nesse pretenso carácter universal a abertura filosófica para se constituir, nos pressupostos do “positivismo” – negação da objectividade real e da causalidade objectiva –, uma “falsa neutralidade”, se não na tecnicidade, pelo menos no “uso” tendencioso da logística.

A “semântica mínima” ou minimalista da “filosofia analítica” deixa-se “usar” assim pela gnoseologia “empirista”, aparelhada com a tecnologia lógica.

Comparemos a definição de “causalidade” em David Hume com a de “implicação” ou “consequência” formais. Embora esta última não consista numa formalização da primeira noção, é tentador, de fácil e ontologicamente neutra, interpretá-la empiricamente.

O sinal de ‘->’ associado por ordem às variáveis ‘p’ e ‘q’ (’p’->’q’), traduz-se semanticamente por ‘p’ ser condição suficiente mas não necessária de ‘q’. E isto pode ser, mais ou menos, interpretado por um neopositivista como uma formalização ou universalização abstracta, aproximada, da ideia empirista de causalidade, segundo a qual ‘p’ ser “causa” de ‘q’ significa que “‘q’ ocorre sempre que ocorre ‘p’”, com abstenção intencional da questão ontológica, ou simplesmente objectiva, da “ocorrência”.

“Os pares Sol e dia são correlativos”; “se há Sol então há dia”; “haver dia é necessário para haver Sol”. Entre o nascer habitual do Sol junto com o dia e o menos frequente eclipse solar, as condições interpretadas de implicação colhem.

Noutro exemplo, “‘a pedra b move-se’ sempre que ‘a pedra a bate nela’, mas não é necessário que ‘a pedra a bata na pedra b’ para ‘a pedra b se mover’”. É também o que nos diz a experiência, não a real mas uma sua ficção, aquela da qual se subtraiu o próprio pensamento.

O mesmo sucede, de maneira mais simples e, quiçá, mais similar à ideia empirista de causa, com a interpretação homónima da fórmula conjuntiva restrita “p W q”.

A evidente diferença para o empirismo é que a logística transformou uma conexão psicológica, não necessária mas constituída pelo hábito, numa função de verdade lógica, racional, necessária pela sua própria definição. A semelhança encontra-se na interpretação concreta da noção de “consequência”, pela qual se verifica ser esta mais que suficiente para formalizar a ideia de “causalidade” na teoria empirista, afastado que foi o problema da objectividade da relação.

Mas essa formalização não basta à sua expressão objectiva, muito embora, dentro dos limites da simplificação necessária à sua genericidade extensiva, a noção de “consequência”, assim como a de “conjunção estrita”, sejam formalmente consistentes com ela.

Por exemplo, no caso de um fenómeno mecânico, compreendido numa equação de quantidade de movimento (p = mv2), há uma necessidade objectiva, que nem o “hábito” nem a “conjunção estrita” ou a “consequência lógica” traduzem ou fazem corresponder exaustivamente na sua linguagem, porque o primeiro não é mais do que uma abstracção teórica relativa a um fenómeno psicológico concreto, que nada tem a ver com procedimentos metodológico-científicos, e a segunda e a terceira apenas abstraem dela a sua forma geral deixando cair o que lhe é fisicamente específico.

Mas tanto para o empirismo clássico quanto para o empirismo lógico os enunciados com sentido, não metafísicos, excluem a noção “objectiva” de causalidade.

O minimalismo semântico com que a “filosofia analítica” interpreta e expõe a “logística” – a qual no plano técnico objectiva fora de dúvida pelo menos uma classe de níveis de operações intelectuais efectivas –, corresponde formalmente, ele mesmo, ao minimalismo cognitivo da filosofia empirista. 

Como escreve Ludwig Wittgenstein, “A fé no nexo causal é uma superstição”. Não existem leis naturais e a suposta regularidade que elas exprimem provém de os factos atómicos serem ligados pela linguagem: “fora da lógica tudo é acontecimento”.

Por aqui se compreende que Gonseth tenha afirmado que a lógica é a física de um objecto qualquer, pois seria ela-mesma a estabelecer as relações possíveis entre quaisquer elementos sensíveis. Para que precisaríamos da Física, da metodologia das ciências, da imaginação, dos fins cognitivos específicos, sociais e práticos da investigação?!

Para Russell a lógica era muito menos que essa “física geral”, era uma “metafísica abstracta”. Como escreve Abrogio Giacomo Manno, “Esta ‘metafísica’ russelliana está presente nos Principia Mathematica e inspira a sua estrutura e o seu objectivo”.

Não podemos agora deixar de mencionar o que acabou por se tornar a tese fundamental do neopositivismo.

Para este a imagem do mundo é um produto da linguagem; o sistema linguístico é uma escolha arbitrária e há tantas imagens do mundo quantos sistemas linguísticos.

Por exemplo, a nossa imagem geral do mundo depende da percepção das cores e esta é indissociável do grau de discriminação verbal para elas. Por força de razão, há tantas interpretações das coisas quantas as teorias possíveis enunciáveis na linguagem. O “objecto” de pensamento “luz” não é o mesmo objecto na teoria ondulatória e na teoria fotónica.

O reconhecimento destes factos cognitivos, da necessária mediação conceptual e tecnológica entre sujeito e objecto que resolvam progressivamente os obstáculos ao conhecimento, é assimilado, sem fundamento, por uma sorte de crença, a uma metafísica da subjectividade, afastando desde logo, por metafísico, o platonismo de alguns dos que foram curiosamente percursores da “filosofia analítica”, como Gottlob Frege (1879). Esta corrente de pensamento vai na direcção de assumir que o objecto deixa de ser objectivo e passa a consistir somente na organização proposicional dos dados sensíveis, no objecto do pensamento linguístico, na sua significação ou no seu uso funcional.

Poderia estudar-se a sintaxe, e mesmo as regras de análise e construção semântica pura, independentemente de qualquer exame sobre a sua conexão com a realidade e com a actividade prática de transformação humana do mundo, na qual contudo a linguagem nos parece ter um desempenho e experimentar o teste da sua funcionalidade concreta.

A profissão-de-fé genérica desta corrente filosófica foi formulada em termos lapidares por Ludwig Wittgenstein: “Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”, e a filosofia acaba por ser restringida por ele a uma terapia lógica da linguagem (em especial a partir das Investigações filosóficas). A questão ontológica do objecto do pensamento é desqualificada em favor da indiferença ou neutralidade a seu respeito.

Este princípio neopositivista é designado por Willard Quine (1969) de “compromisso ontológico”, consistindo no seguinte, tal como explica Simon Blackburn: o “ser” é um elemento funcional lógico da construção da linguagem de uma teoria, mais exactamente “ser é ser o valor de uma variável ligada; este princípio não nos diz que coisas existem, mas apenas como se determina que coisas uma teoria diz que existem: estas são as coisas onde as variáveis tomam valores numa apresentação formal, adequadamente regimentada, da teoria”. Esclareça-se que uma variável é “ligada” se cai no âmbito de um quantor, ou indicador de quantidade lógica ou extensão denotando “existência” – lógica – para um predicado ou compreensão, numa simples fórmula válida e interpretável numa teoria.

O próprio Russell, por ironia um dos primeiros a dar origem a este movimento filosófico, indignou-se com o caminho levado pelo neopositivismo, escrevendo “Parece-me ouvi-los dizer: ‘no princípio era o Verbo’, e não: ‘no princípio era aquilo que o Verbo significa’. É notável que esse retorno à metafísica se tenha produzido em conclusão de uma tendência para o ultra-empirismo.”

A “filosofia analítica” resulta, pois, num formalismo ainda mais abstracto e afastado do trabalho científico efectivo do que o clássico de genealogia aristotélica.

Em suma, a “logística”, a lógica simbólica moderna, reduz-se ao seguinte: Os princípios, as regras e os axiomas são as condições necessárias e suficientes para um cálculo consistente, dotado de teoremas identicamente “verdadeiros”, modelos de frases declarativas válidas (tautologias, na acepção não de redundância mas de vacuidade, ou esquemas verdadeiros quaisquer que sejam as proposições que os constituam e os seus valores de verdade).

A “logística” isola-se do processo mental concreto, separa-se da génese efectiva, psicológica, cultural, experimental, dos conteúdos reais das ciências.

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