domingo, 2 de junho de 2019

O complexo jurídico e o turbilhão de contradições reais


por György Lukács

O sistema jurídico, porém, não é uma unidade composta de proposições teóricas, mas, como foi mostrado, um sistema unitário composto de instruções tanto positivas como negativas para o agir prático e deve, justamente por isso, considerado em termos prático-sociais, formar uma unidade que exclui toda contradição. Por essa razão, a principal função das ponderações teóricas elaboradas para a práxis do direito e nelas aplicadas não é a de demonstrar, em termos teóricos gerais, a ausência de contradição do direito positivo, mas, muito antes, eliminar em termos práticos todas as contradições que eventualmente possam emergir na práxis; ora, se isso acontece na forma de uma interpretação do direito positivo ou como modificação, reformulação etc. de determinações singulares é algo irrelevante a partir desse ponto de vista.

O funcionamento do direito positivo está baseado, portanto, no seguinte método: manipular um turbilhão de contradições de tal maneira que disso surja não só um sistema unitário, mas um sistema capaz de regular na prática o acontecer social contraditório, tendendo para a sua otimização, capaz de mover-se elasticamente entre polos antinômicos — por exemplo, entre a pura força e a persuasão que chega às raias da moralidade —, visando implementar, no curso das constantes variações do equilíbrio dentro de uma dominação de classe que se modifica de modo lento ou acelerado, as decisões em cada caso mais favoráveis sobre a práxis social. Fica claro que, para isso, faz-se necessária uma técnica de manipulação bem própria, o que já basta para explicar o fato de que esse complexo só é capaz de se reproduzir se a sociedade renovar constantemente a produção dos “especialistas” (de juízes e advogados até policiais e carrascos) necessários para tal. Porém, a tarefa social vai ainda mais longe. Quanto mais evoluída for uma sociedade, quanto mais predominantes se tornarem dentro dela as categorias sociais, tanto maior a autonomia que a área de direito como um todo adquire na interação dos diversos complexos sociais. (Teoria da divisão de poderes.) Isso tem consequências importantes para a característica desse complexo. Em primeiro lugar, revela-se que a esfera do direito, considerada em sua linha de projeção ampla, constitui um fenômeno decorrente do desenvolvimento econômico, da estratificação em classes e da luta de classes, mas que — correspondendo às fases específicas da linha maior — ela pode adquirir até mesmo uma autonomia relativa considerável com relação ao regime vigente em cada caso.

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LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social II. Trad. Nélio Schneider, Ivo Tonet e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 246-247.
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