quarta-feira, 28 de junho de 2017

A tendência ideológica central do cientificismo



por István Mészáros

A concepção original do cientificismo positivista estava vinculada às grandes expectativas de um otimismo evolucionista um tanto simplório. Compreensivelmente, a repetida irrupção de crises capitalistas na segunda metade do século XX pôs um fim em tudo isso. Resultou disso a remodelação da ideologia do cientificismo em um molde profundamente cético, se não completamente pessimista. Sua abordagem anti-histórica dos problemas encontrados tornou-o extremamente adequado à "eternização" e legitimação ideológica do sistema estabelecido, especialmente porque também apresentava a ilusão de temporalidade: uma ilusão diretamente emanada da própria ciência. Ao mesmo tempo, novamente em contraste com as profundas melhorias previstas na concepção original, a eliminação dos males sociais, na medida em que sua existência era reconhecida, foi confinada estritamente ao "trabalho gradual do progresso científico" como única solução possível (para não dizer admissível).

A insistência na racionalidade exclusiva do "pouco a pouco" revelou uma incoerência lógica notável, pois, se eliminação de todos os males e desigualdades sociais era estritamente uma questão de progresso científico, e se afirmava que o desenvolvimento futuro da ciência era imprevisível, como se poderia também sustentar, decidindo antecipadamente a questão, que os únicos desenvolvimentos e melhorias concebíveis das condições sociais prevalecentes teriam de ser realizados "pouco a pouco"? Por que não poderia haver uma revolução científica tão fundamental que permitisse mudanças positivas que abrangessem a todos? Tanto mais que os escritos dos defensores do cientificismo neopositivista não paravam de falar na "lógica das revoluções científicas" e na "segunda revolução industrial": outra incoerência reveladora.[...]

A tentativa de eliminar o agente social e a consciência coletiva de suas equações mecanicistas (do behaviorismo ao estruturalismo) era parte essencial da mesma submissão consciente à reificação, que só podia compreender as relações entre pessoas se elas fossem relações reificadas. Daí a glorificação do "contrato" capitalista e das relações de troca em qualquer contexto, até nos mais surpreendentes. [...] para poderem "provar" a onipresença e a eterna validade do "capital" e da "troca".[...]

Foi esta íntima afinidade do cientificismo neopositivista com as estruturas objetivas de reificação que o habilita a se tornar a principal corrente de legitimação ideológica: condição que provavelmente permaneça, não importa sob forma de quais "diferentes" mudanças estilísticas, enquanto as estruturas capitalistas sobreviverem.

Sua metodologia, utilizando quase ad nauseam modelos, diagramas, fórmulas, "provas" estatísticas distorcidas, "observações de massa" e "entrevistas de massa" (baseadas em "amostras representativas cientificamente determinadas" - embora na realidade ridiculamente insignificantes), etc. refletia uma necessidade vital e um imperativo prático da sociedade mercantil. [...]

A ideologia do cientificismo neopositivista, que continuou a idealizar uma ciência subserviente às exigências tecnológicas reificadas do modo de produção dominante, era sumamente adequada para assumir o papel-chave neste processo de manipulação, uma vez que tinha o poder de sancionar com a elevada autoridade da ciência até as mais prosaicas práticas manipuladoras. Na verdade, a ideologia do cientificismo - não apenas por si mesma, é claro, mas em grande parte graças a seus vínculos inerentes com as práticas produtivas dominantes - era tão poderosa que penetrou não apenas nas cidadelas do conhecimento, mas em praticamente todos os espaços da vida cotidiana. Suas manifestações iam "do sublime ao ridículo", desde que pudessem ser quantificadas ou transformadas em modelos, fórmulas e "paradigmas". Para um raro exemplo do "sublime", podemos pensar no engenhoso sistema dos "tipos ideais isentos de valor" de Max Weber. Quanto ao abuso ridículo e frequentemente grotesco da ciência a serviço da manipulação, os exemplos são muitos: desde os departamentos de "Ciência Mortuária" (leia-se: serviço funerário lucrativo) e "Ciência Apiária" (isto é: criação de abelhas) de algumas universidades norte-americanas até a "tecnologia do campo unificado" do Maharishi Mahesh Yogi e seus meditabundos seguidores, com sua grotesca mistificação "cientificamente quantificável" sobre a "raiz quadrada da população do mundo".

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MÉSZÁROS, I. O poder da ideologia. Trad. Paulo Cézar Castanheira e Magda Lopes. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 254-257).
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