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Último tratamento: 04/05/2025.= = =
Características
O termo racionalismo formal designa uma tradição filosófica bem heterogênea e que é parte do processo de decadência ideológica burguesa. Em sentido teórico, o racionalismo formal se caracteriza por ser um racionalismo agnóstico, isto é, uma abordagem gnosiológica — parcial (rejeitando a ontologia da natureza) ou total (rejeitando a ontologia da natureza e da sociedade). Tal corrente tem o seu prelúdio no empirismo extremo de Berkeley e Hume
no século 18, mas a sua afirmação enquanto abordagem consolidada ocorre
na primeira metade do século 19 com o positivismo e o neokantismo. Esse intelectualismo reduz o conceito de razão (Vernunft) ao entendimento (Verstand), porém, na verdade, o entendimento é somente a primeira etapa do processo dialético da razão. Desse modo, há um conceito empobrecido de racionalidade.
Como a burguesia se torna contrarrevolucionária
no plano histórico-universal no ano de 1848 (Primavera dos Povos),
consequentemente o seu padrão filosófico-científico se mostra empobrecido e insuficiente para
captar a totalidade; época em que a razão dialética, enquanto método
autoconsciente, revela a limitação dessa visão de mundo. A miséria da razão ignora ou simplesmente não aceita o método dialético, que tem a sua antessala com Hegel e a sua
consolidação com Marx. É, portanto, uma razão metafísica (antidialética) refém, em algum nível, da rigidez binária que o entendimento opera num primeiro nível da racionalidade.
A visão reformista
da política também se revela uma expressão do racionalismo formal no momento em que essa racionalidade defasada precisa justificar a irracionalidade metabólica do sociedade capitalista consolidada e/ou a conciliação de classes. Dessa forma, os racionalistas formais, insistindo nesse terceiro padrão ontológico da história ocidental, o moderno-liberal — os outros dois padrões teórico-metafísicos são o antigo e o medieval
—, fazem uso de lentes racionalistas ultrapassadas, cuja a validade
para a ampliação da massa crítica vence no início do século 19. O racionalismo formal é, em suma, tanto a redução agnóstica da filosofia burguesa clássica como, também, a sobrevida materialista dessa mesma filosofia, agora vista em suas insuficiências lógico-formais, científicas e humanistas.
Entre as características marcantes que floresceram nessa tradição, se encontram:
* cruzada antidialética: falar na realidade como essencialmente
contraditória é uma blasfêmia para a maioria dos racionalistas, pois
eles
enxergam o mundo tendo aquelas regrinhas aristotélicas da lógica formal
como
norte petrificado. Ou seja, as ontologias antidialéticas refletem o mundo descartando o tertium datur (terceiro incluído). O hegelianismo, como se sabe, é uma
exceção incompleta, pois todo o idealismo é, em suas bases, antidialético.
* agnosticismo científico: é a abordagem gnosiológica (abordagem antiontológica) de positivistas e neokantianos, recusando o discurso diretamente
ontológico, pois consideram que toda ontologia é metafísica. A grande
ironia é que, como a ontologia significa o conhecimento mais básico de
todos, mesmo na postura metodológica de “abstenção ontológica”, toda
teoria apresenta pressupostos ontológicos, ainda que de maneira
implícita. A posição agnóstica é, em suma, uma ontologia metafísica camuflada.
* objetivismo: herança do empirismo e significa uma pseudo-objetividade decorrente do fetiche da empiria, da supervalorização do experimento científico ou, ainda, de um declarado anti-humanismo metodológico.
* fetiche da analítica: herança do racionalismo clássico e tende a gerar a matematização ou a logicização da realidade objetiva, isto é, o matematismo e o logicismo.
* fetiche da analítica: herança do racionalismo clássico e tende a gerar a matematização ou a logicização da realidade objetiva, isto é, o matematismo e o logicismo.
* cientificismo: o fetiche da ciência é a fé numa suposta “neutralidade
científica”, que seria independente das classes sociais, ideologias e
indivíduos. É a principal bandeira de uma parte dos racionalistas formais.
* fetiche da tecnologia: a ideologia que coloca a técnica num pedestal neutro, como se ela, por si mesma, estivesse nos
conduzindo ao melhor dos mundos e, assim, a tecnologia/coisa/trabalho morto, seria o motor
do desenvolvimento histórico e não a atividade fundante e as relações sociais.
* humanismo abstrato: o humanismo liberal — fundamentado na concepção teórico-metodológica do individualismo —, tão vigoroso na fase ascendente da burguesia, mostra-se parcial após a emancipação política e o esgotamento do caráter revolucionário da ideologia dessa classe; resta a fé no auto-aperfeiçoamento da democracia burguesa para gerar a expansão dos direitos civis e humanos. Esse humanismo político-jurídico e, portanto, formal, é o fetiche da cidadania.
* naturalismo metodológico: mesmo que o naturalismo ontológico (materialismo metafísico) não seja tão recorrente no período contemporâneo, o naturalismo metodológico do positivismo, ainda que baseando-se numa objetividade formal, intensifica o reducionismo. Usando, de maneira imprópria, as lentes da física (fisicismo) ou da biologia (darwinismo social) fora de suas esferas de ser.
* neoiluminismo: o fetiche da educação/ilustração é o slogan unilateral de que “a educação muda o mundo e a saída é investirmos bastante no sistema de educação”. É como se os aspectos desumanizantes do mundo moderno fossem causados por entulhos arcaicos e obscurantistas e, com efeito, pudessem ser resolvidos via esclarecimento. Isso é parte da ode à “inclusão social” que, aliás, esconde o caráter burguês da cidadania moderna.
* apologia direta do capital: no mais das vezes, os racionalistas formais são os técnicos e defensores diretos do mundo capitalista, da lógica do mercado, da democracia liberal e/ou da conciliação de classes. Mundo que, geralmente, eles enxergam apenas como “moderno-científico-empreendedor-democrático-pluralista-laico-de-direitos”.
No âmbito epistemológico, as vertentes dessa tradição teórica são:
- Empirismo extremo
- Positivismo sociológico
- Neokantismo
- Empiriocriticismo
- Pragmatismo
- Fenomenologia transcendental
- Empirismo lógico
- Behaviorismo
- Estruturalismo
- Filosofia analítica
- Sociobiologia
No âmbito moral:
- Utilitarismo
- Deontologia moderna
- Naturalismo (artístico)
No âmbito econômico:
- Liberalismo econômico
- Keynesianismo
No âmbito político:
- Liberalismo social (é o liberalismo progressista e reformista que surge no século 19, incluindo o feminismo liberal e similares. Na sua versão clássica se inclina ao intervencionismo econômico; numa versão mais recente se apresentou como “neoliberalismo progressista”.)
- Social-democracia (em seu sentido bernsteniano, essa corrente se expressa nos partidos socialistas e fetichiza a democracia liberal como via gradual para uma sociedade socialista. No sentido amplo de esquerda liberal está contido as duas correntes).
Uma grande tarefa da filosofia emancipatória (materialismo dialético) é combater essa miséria da razão e peneirar a obra de grandes pensadores ligados a este campo, para ver se há algum “trigo” a acrescentar à teoria social, livre do “joio” do racionalismo decadente.
Alguns dos herdeiros ilegítimos do Iluminismo:
Comte, B. Bauer, L. Büchner, L. A. Lange, Malinowski, Durkheim, Spencer, Dühring, Jevons, Walras, T. H. Green, Mach, Avenarius, Kelsen, Bogdanov, Bernstein, Frege, W. James, Peirce, Husserl, Radcliffe-Brown, Skinner, Russell, Saussure, Keynes, Hayek, Mises, Abbagnano, Wittgenstein, Althusser, Bobbio, Piaget, N. Hartmann, Carnap, Parsons, Quine, Lévi-Strauss, Wertheimer, Cassirer, G. A. Cohen, Bertalanffy, Merquior, Habermas, M. Bunge, Kripke et alii.
Além de conteúdos, essa tradição fundamenta novas formas de expressão da produção acadêmica. Há as ciências sociais aplicadas como administração, direito, mercadologia, pedagogia, criminologia, serviço social etc. Junto da exposição teórica abrangente da ciência histórica, há as ciências sociais auxiliares como economia política, geografia humana, linguística histórica e psicologia objetiva. A especialização é um processo inevitável na produção de conhecimento, mas o que caracteriza o fatiamento positivista da teoria social é a fragmentação que não apreende a articulação coerente com a totalidade do ser social (e deste com o ser natural). A divisão do trabalho intelectual contemporânea gera um conjunto de ciências sociais idealistas, pretensamente substituindo uma autoconsciente ontologia social na fundamentação do que é a sociabilidade:
Alguns dos herdeiros ilegítimos do Iluminismo:
Comte, B. Bauer, L. Büchner, L. A. Lange, Malinowski, Durkheim, Spencer, Dühring, Jevons, Walras, T. H. Green, Mach, Avenarius, Kelsen, Bogdanov, Bernstein, Frege, W. James, Peirce, Husserl, Radcliffe-Brown, Skinner, Russell, Saussure, Keynes, Hayek, Mises, Abbagnano, Wittgenstein, Althusser, Bobbio, Piaget, N. Hartmann, Carnap, Parsons, Quine, Lévi-Strauss, Wertheimer, Cassirer, G. A. Cohen, Bertalanffy, Merquior, Habermas, M. Bunge, Kripke et alii.
Além de conteúdos, essa tradição fundamenta novas formas de expressão da produção acadêmica. Há as ciências sociais aplicadas como administração, direito, mercadologia, pedagogia, criminologia, serviço social etc. Junto da exposição teórica abrangente da ciência histórica, há as ciências sociais auxiliares como economia política, geografia humana, linguística histórica e psicologia objetiva. A especialização é um processo inevitável na produção de conhecimento, mas o que caracteriza o fatiamento positivista da teoria social é a fragmentação que não apreende a articulação coerente com a totalidade do ser social (e deste com o ser natural). A divisão do trabalho intelectual contemporânea gera um conjunto de ciências sociais idealistas, pretensamente substituindo uma autoconsciente ontologia social na fundamentação do que é a sociabilidade:
* sociologia, politologia, antropologia e economia formal.
No âmbito estético, a forma contemporânea de produção e distribuição da arte gera, de um lado, uma massificação padronizada pelos monopólios culturais e, do outro, uma lavagem de dinheiro e excentricidades no nicho underground. É o mercado cultural do capitalismo monopolista.
Relações com outras ideologias
1ª observação: o herdeiro legítimo do Iluminismo é o materialismo dialético. É justamente esse novo padrão filosófico-científico que supera (aufheben) o padrão moderno-burguês (que, de maneira ascendente, vai de Maquiavel até Hegel, com o epílogo em Feuerbach).
2ª observação: No final do século 18, o liberalismo clássico (revolucionário) começa a se desdobrar como conservadorismo liberal. No século seguinte, desenvolve-se uma tendência política distinta, de caráter democrata e reformista: o social-liberalismo. Paralelo à tradição liberal, o socialismo moderno, na sua vertente científica, sindicalista, parlamentar e sem inclinação romântica, também se revela um descendente direto do Iluminismo. Porém, o padrão político superior pode retroceder, em algum nível, ao padrão racionalista ultrapassado da ideologia liberal: no período da Segunda Internacional (1889-1916), a social-democracia, depois de espremer e expelir a ala revolucionária (comunista) de suas fileiras, torna-se sinônimo de reformismo no movimento socialista.
No âmbito filosófico (e metodológico), a tendência à formatação das ciências sociais em sínteses particulares e a compreensão inadequada da dialética materialista contribuíram para que a tradição marxista desenvolvesse uma revisão heterodoxa e eclética. Surge o marxismo ocidental, que é basicamente a filosofia semimarxista e o pai é E. Bernstein. Nessa primeira fase, o marxismo ocidental destacado é objetivista e, também, parte do racionalismo formal. Por outro lado, pode existir algum social-democrata que é filosoficamente um materialista dialético (marxista ortodoxo), como C. N. Coutinho tardio. Da mesma forma, pode haver algum marxista ocidental que é politicamente um leninista (L. Althusser é um exemplo nesse sentido). Quanto à questão do uso do nome das ciências idealistas pelo pesquisador marxista, o objeto de estudo está fundamentado na categoria da totalidade da história materialista: o autor em questão está sendo um historiador materialista independente se ele se autodenomina “sociólogo”, “cientista político” ou “antropólogo”.
3ª observação: a decadência ideológica burguesa não implica
somente no racionalismo formal: há, junto a ele, outra tradição
filosófica decadente. O irracionalismo moderno
significa a destruição da razão (como bem diz o título de um livro de
G. Lukács) e filia pensadores como Burke, Nietzsche, Heidegger e
Deleuze. No âmbito político-econômico, é possível ver uma combinação que gera a direita liberal, com as variantes de conservadorismo liberal, fascismo liberal e anarcocapitalismo.
Não há nenhuma ideologia “inocente”, como disse Lukács. Nesse sentido, temos que analisar a arte e a teoria (filosofia e ciências), principalmente, a teoria social (ciências humanas), em si, em sua coerência e função histórica, independente das (boas) intenções de seus porta-vozes.
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O que vc quer dizer com ontologia metafísica? Achei que fossem sinônimos. Não tenho muito conhecimento de filosofia.
ResponderExcluirEntão, muitos usam como sinônimos mesmo. Outros colocam como se a ontologia fosse uma parte da metafísica. Há também o uso do termo "metafísica" em sentido estrito de "ontologia idealista". Enfim, é possível observar variações sobre o tema. Na tradição marxista, ou pelo menos em sua parte predominante, o termo "metafísica/metafísico" é usado como antinomia de "dialética/dialético", ou seja, significa "antidialético". No entanto, há marxistas que descartam o uso do termo "ontologia" para tratar da teoria marxista do ser - provavelmente porque acham que serve como sinônimo de metafísica. O velho Lukács vai enfatizar a importância de usar o termo, observando que o materialismo dialético se trata de uma ontologia dialética, não-metafísica.
ExcluirE quanto a Hegel? Bom, na análise de Marx, Engels e demais marxistas, a sua ontologia é formada por uma incoerência interna, resultando num duplo caráter. Lukács aponta que esse duplo caráter pode ser entendido como uma ontologia metafísica e uma ontologia dialética imbricadas.