por István Mészáros
I
Em entrevista recente [1986], Perry Anderson e Peter Dews fizeram uma pergunta embaraçosa a Habermas:
A
tradição da Escola de Frankfurt como um todo concentrou sua análise nas
sociedades capitalistas mais avançadas, à custa de qualquer
consideração do capitalismo como um sistema global. Em sua opinião, as
concepções de socialismo desenvolvidas no decorrer das lutas
anti-imperialistas e anticapitalistas no Terceiro Mundo têm algum
significado para as tarefas do socialismo democrático no mundo
capitalista avançado? Reciprocamente, sua própria análise do capitalismo
avançado tem alguma lição para as forças socialistas do Terceiro Mundo?[1]
Eis tudo o que ele pôde responder a esta questão da maior importância teórica e prática: “Estou tentado a responder ‘nãoʼ para ambos os casos. Tenho consciência de que esta é uma visão eurocêntrica, limitada. Eu preferiria não responder a esta pergunta”.[2] Uma resposta que soa como “parem o mundo, que eu quero descer”. O que é particularmente problemático aqui é que um pensador que afirma ter formulado a “ciência reconstrutiva do pragmatismo universal”[3] seja capaz de imaginar a realização de seu projeto sem prestar a menor atenção à situação difícil de 90% da população mundial.
Diferentemente da posição “eurocêntrica” da teoria crítica, o que nos interessa aqui não é uma questão parcial que poderia ser seguramente negligenciada em um “teoria geral”. Visto que a natureza da ordem socioeconômica do capital só é inteligível em termos globais, não se pode dar muito crédito à conceituação de “mundo capitalista avançado” a partir de uma perspectiva que ignora sistematicamente a esmagadora maioria da humanidade e opera com categorias que não dão atenção às suas reais condições de existência.
A ignorância das determinações causais e das reciprocidades de longo alcance, através das quais as chances futuras de desenvolvimento das sociedades capitalistas avançadas se vinculam indissociavelmente aos problemas crônicos do “Terceiro Mundo”, deve necessariamente produzir teorias extremamente duvidosas, mesmo que suas pretensões sejam conscientemente limitadas aos países capitalistas do Ocidente. Mas afirmar que um “pragmatismo universal” possa ser derivado de pressupostos fundamentados nas considerações estreita e tendenciosamente “eurocêntricas” da existência “capitalista avançada” como tal é uma evidente contradição. Portanto, não é de modo algum acidental que neste tipo de teorização não haja lugar para a dinâmica objetiva do desenvolvimento histórico capitalista global, do qual é absolutamente impossível excluir os problemas candentes do “mundo subdesenvolvido”.
A concepção original de Habermas traz marcas da “política do consenso” do pós-guerra, pois manifesta claramente, no momento de sua formulação, uma atitude positiva em relação às tendências dominantes da acomodação política e celebra as realizações “pós-marxianas” da ordem socioeconômica e política dominantes.[4]
Em uma obra posterior, A teoria da ação comunicativa, Habermas tenta deslocar seu discurso para um plano mais abstrato, de modo a decifrar e “fundamentar” o consenso a partir do “pragmatismo universal”, que é de um oportunismo transcendental. Ele tenta isso numa época em que, na realidade, a continuidade do consenso do pós-guerra não é mais digna de crédito no plano socioeconômico e político. Ironicamente, no entanto, depois de haver declarada que as categorias marxianas de classe, consciência de classe, exploração, forças e relações de produção, e muitas outras, só são aplicáveis à “fase de desenvolvimento do capitalismo liberal, e não antes ou depois”,[5] Habermas é agora levado a tomar conhecimento do ressurgimento dos conflitos sociais, ainda que apenas como possibilidade.
Ele dá este passo potencialmente crítico com atraso, e com certa relutância, mesmo diante dos acontecimentos mais recentes, quando já há, de fato, exemplos abundantes de perturbações e confrontos sociais sérios na vida cotidiana, até das mais “privilegiadas sociedades capitalistas”. Entretanto, o quadro teórico geral de Habermas não lhe permite admitir clara e inequivocadamente as implicações objetivas do que ele vê como uma tendência teoricamente embaraçosa e politicamente perturbadora. Ao contrário, dados os pressupostos de suas teorizações “pós-marxianas”, ele resiste a ideia de que a “possibilidade” de novos conflitos (até mesmo conflitos de classe) — agora admitida, embora com relutância — possa ser estrategicamente importante. Declara, em vez disso, de modo um tanto peculiar, que embora as políticas econômicas de um governo de tipo monetarista possam conduzir ao desmantelamento do Estado de bem-estar, e isso, “por sua vez, pudesse levar a um renascimento das lutas de classe tradicionais”, ele presume “que tal governo também seria hábil o bastante para pesar os riscos”.[6]
Fiel à sua inspiração weberiana geral, Habermas espera demais da racionalidade do sistema socioeconômico e político burguês “moderno”. De qualquer modo, se as “antiquadas” ou “tradicionais” lutas de classe são na verdade, como Habermas anteriormente declarara, apenas manifestações das “contradições do século XIX” (isto é , de um “capitalismo liberal” estrito), como podem elas repentinamente “ressurgir” (sem a menor autocrítica de Habermas), para desaparecer imediatamente por conta da postulada “habilidade” dos governos capitalistas “modernos” envolvidos? Se for verdade, como nos é assegurado categoricamente num estágio anterior das construções teóricas de Habermas, que “na sociedade capitalista avançada os grupos carentes e privilegiados já não se confrontam como classes socioeconômicas”,[7] como compreender então o conceito de uma “sociedade capitalista avançada que elimina o conflito de classes”, como compreendê-lo soba a nova conjuntura prevista, em que as “lutas de classe tradicionais” podem renascer?
Uma vez que Habermas não tem respostas para questões tão embaraçosas, ele escolhe o estranho postulado apriorístico da “habilidade dos governos capitalistas modernos”. Para escapar de suas próprias contradições teóricas, Habermas concede a priori tal habilidade a esses governos, não somente em relação à sua percepção prévia do perigo de ressurgimento dos conflitos de classe, perigo que é inerente a suas políticas, mas também, e até de modo mais problemático, em relação à sua suposta capacidade de controlar efetivamente a situação sob as novas e perturbadoras circunstâncias.
II
A concepção de “modernidade” de Habermas está baseada em uma teoria da “crítica emancipatória” entendida nos termos das supostas “competências comunicativas intersubjetivas” que ele deriva dos “atos de fala” da filosofia linguística analítica. Um dos mais amistosos críticos de Habermas observou que “uma das razões por que muitos críticos de Habermas, até mesmo críticos favoráveis, ficaram perplexos por sua virada linguística é porque durante os últimos quinze anos ele tem estado mais preocupado com a elaboração, justificação e organização dos detalhes deste ambicioso programa de pesquisa de uma teoria da ação comunicativa ou do pragmatismo universal do que o engajamento na prática da crítica emancipatória”.[8]
A dificuldade insuperável é que Habermas deseja apresentar uma teoria da
“crítica emancipatória” de característica “quase-transcendental”, que
ele imagina estar em plena concordância com as exigências de um consenso
enraizado na “competência comunicativa universal da espécie”. Para
demonstrá-la, tem de projetar a ficção da “comunicação total” como
garantia apriorística de sucesso. Em outras palavras, ele tem de pressupor — na forma de uma “competência universal da espécie” — que aquilo que ele tem de provar
é uma estratégia praticamente viável de emancipação em relação às
restrições mutiladoras dos sistemas de dominação estabelecidos. Como
Richard Rorty acertadamente comenta, percebendo a contradição entre a
posição inerentemente “eurocêntrica” (ou, mais precisamente,
“etnocêntrica” ocidental) de Habermas e suas pretensões universalistas:
Os críticos norte-americanos simpáticos a Habermas, como Bernstein[9], Geuss[10] e McCarthy[11] [...] duvidam que os estudos de competência comunicativa possam proporcionar os critérios “universalistas”
que a filosofia transcendental não conseguiu proporcionar. Também
duvidam que o universalismo seja tão vital às necessidades do pensamento social-liberal quanto pensa Habermas [...].
Habermas elogia os “ideais burgueses” por causa dos “elementos de razão” contidos neles; seria melhor apenas elogiar aqueles tipos não-teóricos de discursos narrativos que compõem a fala política das democracias ocidentais. Seria melhor ser francamente etnocêntrico [...].[12]
Sendo-se etnocêntrico neste sentido, pode-se ver o que Habermas chama de “dinâmica teórica interna que constantemente impulsiona as ciências [...] para além da criação de um conhecimento tecnologicamente utilizável”, não como uma dinâmica teórica, mas como uma prática social. Pode-se ver a razão pela qual a ciência moderna é mais do que a simples engenharia, mas não como teleologia anistórica — por exemplo, um impulso evolucionário em direção à correspondência com a realidade, ou com a natureza da linguagem — e sim como exemplo particularmente bom das virtudes sociais da burguesia europeia.[13]
Habermas elogia os “ideais burgueses” por causa dos “elementos de razão” contidos neles; seria melhor apenas elogiar aqueles tipos não-teóricos de discursos narrativos que compõem a fala política das democracias ocidentais. Seria melhor ser francamente etnocêntrico [...].[12]
Sendo-se etnocêntrico neste sentido, pode-se ver o que Habermas chama de “dinâmica teórica interna que constantemente impulsiona as ciências [...] para além da criação de um conhecimento tecnologicamente utilizável”, não como uma dinâmica teórica, mas como uma prática social. Pode-se ver a razão pela qual a ciência moderna é mais do que a simples engenharia, mas não como teleologia anistórica — por exemplo, um impulso evolucionário em direção à correspondência com a realidade, ou com a natureza da linguagem — e sim como exemplo particularmente bom das virtudes sociais da burguesia europeia.[13]
Habermas acredita verdadeiramente nas virtudes tradicionais do liberalismo burguês. E agora que vários partidos “eurocomunistas” abandonaram os princípios radicais, Habermas pode tranquilamente mostrar simpatia pela postura neo-socialdemocrata desses partidos, pelo fato de a perspectiva tradicional da socialdemocracia, exposta em sua defesa anterior da chamada “comunidade ideal de comunicação”, estar totalmente desacreditada.
Os detalhes dessa “comunidade ideal de comunicação” são discutidos adiante, na seção 3.4. O que é diretamente relevante aqui é que a recente simpatia de Habermas pelo eurocomunismo equipara a “liberalização” à “normalização” e o avanço social como tal à melhoria das expectativas de uma minúscula elite intelectual no quadro de uma “cultura política liberal” (em suas próprias palavras). É neste sentido que Habermas defende algumas medidas liberalizadoras na política e na cultura.[14] O multibilionário chefe da Fiat italiana, Giovanni Agnelli, foi ainda mais longe. Ele pediu a abertura do próprio governo do país à plena participação do Partido Comunista Italiano. E Agnelli não se apresenta como o defensor radical da “emancipação universal”.
Na verdade, não há nada de radical no discurso eurocêntrico de Habermas sobre a modernidade, a política e a ideologia. Se houvesse, ele jamais denunciaria as aspirações revolucionárias da esquerda alemã como “fascismo de esquerda”[15], no mesmo espírito do seu mentor, Adorno.[16]
As motivações e interesses teóricos de Habermas são inteligíveis no quadro das antigas exigências e aspirações do discurso liberal-reformista. Citando novamente Rorty:
O
que liga Habermas aos pensadores franceses que ele critica é a
convicção de que a história da filosofia moderna (com reações sucessivas
às críticas de Kant) é parte importante da história da busca de
segurança pelas sociedades democráticas. Mas pode ser que a maior parte
desta última história possa ser contada como a história da política reformista,
sem muita referência aos tipos de apoio teórico que os filósofos deram a
tal política. Afinal de contas, são coisas como a formação de
sindicatos, a meritocratização da educação, a expansão do direito de
voto e jornais baratos que mais influíram na disposição dos cidadãos das
democracias de se verem como parte de uma “comunidade comunicativa” — sua contínua disposição a dizer “nós”, em vez de “eles”, quando falam de seus respectivos países.[17]
Como Habermas, ao contrário de Rorty, não reconhece francamente que os objetivos e potencialidades de todos as concepções “etnocêntricas” liberal/reformistas, incluindo a sua, são limitados por seu ponto de vista liberal-democrático ocidental, ele acaba desenvolvendo um quadro teórico extremamente problemático, que ignora sistematicamente não apenas a real situação dos explorados no Terceiro Mundo, como também as sérias limitações históricas e estruturais que pesam sobre qualquer comunicação nas sociedades de classe.
Por isso, Habermas precisa negligenciar o fato desconcertante de que as sólidas relações de poder socioeconômicas e políticas no interior das quais ocorreria seu “diálogo” idealizado, nas sociedades de classe, ridicularizam todas as pretensões de considerar esta modalidade de comunicação tão fortemente condicionada como um genuíno diálogo. Tendo em vista que as respectivas margens de ação dos membros das classes que participam desse modelo — incluindo as margens de sua “ação comunicativa” — são estruturalmente preconcebidas em favor da ordem dominante, o resultado provável dos intercâmbios comunicativos de todos os indivíduos não pode estar sujeito ao modelo e reduzido a um denominador comum apriorístico.
A natureza potencialmente consensual (ou pseudoconsensual) da comunicação que ocorre nas sociedades de classe varia conforme a situação em que se realiza o “diálogo” em questão: se entre indivíduos do mesmo lado da divisa social, defendendo os interesses comuns de sua classe, ou, em completo contraste, entre indivíduos que se identificam com classes antagonicamente opostas.
No último caso — em que imaginar a possibilidade de um diálogo espontâneo e não condicionado é uma atitude absolutamente idealista —, os indivíduos nessa situação devem contestar ou apoiar as posições de poder da ordem social existente, dentro da estrutura de comunicação estabelecida e em defesa de suas pretensões hegemônicas mutuamente excludentes. Considerando-se importância estratégica das questões em jogo e o poder de controle dos complexos institucionais hierarquicamente articulados,[18] o tipo de “diálogo” que pode ocorrer dentro de tais limites é na realidade estruturalmente viciado contra a possibilidade de um resultado que possa desafiar objetivamente os mais importantes parâmetros estruturais da ordem social estabelecida. Isto porque os mesmos parâmetros devem atribuir (e assim o fazem) aos participantes seu papel — como membros de uma classe — no modo prevalecente de ação comunicativa, fortalecendo e reforçando dessa maneira o poder desse círculo vicioso material e ideologicamente precondicionado, em vez de abri-lo na forma de um genuíno diálogo.
Assim, como resultado de tal “diálogo” necessariamente viciado, o que parece ser um “consenso” é na verdade o resultado, imposto de maneira mais ou menos unilateral, das relações de poder dominantes, que assume muitas vezes a enganosamente não problemática forma de intercâmbio comunicativo “produtor de concordância”. O resultado é imposto de modo mais ou menos unilateral (isto é, sob seu aspecto comunicativo, de modo mais ou menos “consensual”), dependendo da “capacidade de incorporação”[19] ou, senão, das concessões feitas pelas classes dominantes, de acordo — em nossa época — com a vantagem produtiva relativa que o capital pode extrair dos acordos concluídos com seus adversários de classe, em virtude da maior produtividade e da expansão da “mais-valia relativa”.
Como prova disso, aos períodos de consenso político necessariamente sucedem-se confrontos sociais mais agudos — donde a crescente proeminência dos “neoconservadores culturais” de Habermas, que curiosamente não dialogam,[20] assim como o surgimento de uma desconcertante variedade de ideologias que agressivamente proclamam e defendem os interesses “não negociáveis” da “direita radical” sob o lema: “não há alternativa” — sempre que a ordem socioeconômica capitalista tem de enfrentar as complicações decorrentes de uma crise estrutural importante. Sob tais circunstâncias históricas, a “competência universal da espécie” — que supostamente produziria (estritamente dentro do quadro de um discurso “processualmente” orientado)[21] os frutos redentores da “ação comunicativa emancipatória” de Habermas, compensando assim as consequências negativas do “desencantamento do mundo” weberiano, permanecendo dentro dos horizontes sociais do modelo de “modernidade” e “racionalização” de Weber — demonstra sua total vacuidade. Suas ardilosas promessas “quase-transcendentais” não representam nada para os grandes problemas existenciais que os agentes humanos reais têm de superar em seus esforços práticos orientados para sua própria emancipação, não dos vagos dissabores da “modernidade”, mas de sua sujeição ao poder explorador do capital.
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Notas:
[1] Habermas, Autonomy and solidarity, entrevistas organizadas e apresentadas por Peter Dews, Londres, Verso, 1986, p. 187.
[2] Ibid.
[3] Tais afirmações estão em Habermas, The theory of communicative action, cujo primeiro volume — Reason and the rationalization of society, traduzido por Thomas McCarthy — foi publicado pela Heinemann, Londres, em 1984. Para uma primeira versão desta teoria, ver Habermas, Knowledge and human interests, Londres, Heinemann, 1972.
[4] Ver, sobre isto, a seção 3.4.
[5] Habermas, Toward a rational society, Londres, Heinemann, 1971, p. 113.
[6] Habermas, Autonomy and solidarity, p. 82.
[7] Habermas, Toward a rational society,p. 110.
[8] Richard J. Bernstein, introdução a Habermas and modernity, organizado e apresentado por R. J. Bernstein, Cambridge, Polity Press, 1985, p. 17.
[9] Ver Richard J. Bernstein, The restruturing of social and political theory, Oxford, Basil Blackwell, 1976, particularmente p. 182-225.
[10] Ver Raymond Geuss, The idea of a critical theory: Habermas and the Frankfurt School, Oxford, 1976.
[11] Ver dois ensaios de Thomas McCarthy, “Rationality and relativism: Habermas's ‘overcoming’ of hermeneutics”, em John B. Thompson e David Held (org.), Habermas: critical debates, Londres, Macmillan Press, 1982, p. 57-58, e “Reflections on rationalization in the Theory of communicative action", em R. J. Bernstein (org.), Habermas and the modernity, p. 176-92.
[12] Richard Rorty, “Habermas and Lyotard on postmodernity”, em R. J. Bernstein (org.), Habermas and the modernity, p. 164.
[13] Ibid., p. 165-6.
[14] Como Habermas declarou em uma entrevista: “Também na República Federal da Alemanha um partido eurocomunista mais forte poderia ser, de muitas maneiras, um fator de liberalização. Muitas coisas seriam normalizadas. Por exemplo, neste país um marxista não pode ser professor ou diretor do Instituto Max Planck. Enquanto isso ocorrer, a base da cultura política não será liberal” (Habermas, Autonomy and solidarity, p. 85).
[15] Hans-Jürgen Krahl (um discípulo radical de Adorno) observou com ironia sobre a “flexibilidade” oportunista de Habermas: “Há um ano, Habermas denunciou como fascismo de esquerda o que hoje elogia como a ‘criação, plena de fantasia, de novas técnicas de manifestação’”. E acrescentou que “a tática de Habermas era isolar a vanguarda radical”. Ver Hans-Jürgen Krahl, "Antwort auf Jürgen Habermas", em Krahl, Konstitution und Klassenkampf: Zur historischen Dialektik von bürgerlicher Emanzipation und proletarischer Revolution, Frankfurt, Verlag Neue Kritik, 1971. Citações das p. 244-5.
[16] Como disse Adorno: “Quando criei meu modelo teórico, não poderia imaginar que as pessoas iriam querer fazer coquetéis molotov com ele”. Citado em Martin Jay, Adorno, Londres, Fontana Paperbacks, 1984 p. 55. Originalmente apareceu em Die Süddeutsche Zeitung, 26-27 de abril de 1969, p. 10. Evidentemente, o movimento radical nunca pensou em lançar “coquetéis molotov”. O que aconteceu, na verdade, foi que a questão de como dar algum sentido prático à “teoria crítica” foi colocada na ordem do dia durante a primeira crise social importante do pós-guerra nos países capitalistas avançados do Ocidente, após décadas de “milagres econômicos” e correspondentes consensos políticos. Como, entretanto, o “modelo teórico” de Adorno rejeitava categoricamente possibilidade de uma significativa intervenção prática, que fosse coletivamente articulada, no mundo social “totalmente reificado”, qualquer movimento radical que representasse uma saída prática de sua teorização auto-enclausurada teria de ser rejeitado e denunciado como “fascismo de esquerda” e ameaça de “coquetéis molotov”.
[17] R. J. Bernstein (org.), Habermas and modernity, p. 169.
[18] Neste contexto devemos lembrar o relacionamento entre as “ideias dominantes” de uma sociedade e suas “classes dominantes”, já discutido por Marx em A ideologia alemã.
[19] “Capacidade de incorporação” não significa aqui a suposta “integralidade” da classe trabalhadora, ainda que por um período limitado. Refere-se à capacidade do sistema capitalista de compensar os aumentos salariais negociados e outras concessões materiais, transformando-os em seus próprios ganhos expansionistas, em parte através da reabsorção do fundo salarial geral aumentado da sociedade (isto é, o papel dinâmico do consumo produtivo no processo de reprodução capitalista como um todo), e em parte pela maior produtividade nas próprias empresas industriais: um aumento da produtividade via de regra diretamente vinculado aos aumentos salariais negociados.
[20] Ver, a este respeito, Habermas, “Neoconservative culture criticism in the United States and West Germany: an intellectual movement in two political cultures”, em R. J. Bernstein (org.), Habermas and modernity, p. 78-94. Tipicamente, mesmo sob as novas circunstâncias, Habermas é impedido por seu discurso idealista de enxergar (ou reconhecer) a base material antagônica de seu movimento intelectual.
[21] Ver a seguir, ao tratarmos da crítica de Habermas ao suposto utopismo não-procedimental de Marx.
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MÉSZÁROS, I. O poder da ideologia. Trad. Magda Lopes e Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 78-85.
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