por Yair Cybel
CELAG
As dificuldades não cessaram e o governo de Castillo resiste à desestabilização e à fratura das suas fileiras.
Na
quinta-feira passada (4) finalmente foi votada a moção de confiança ao
novo governo de Pedro Castillo no Peru. Trata-se de um mecanismo próprio
da Constituição peruana e inédito nas repúblicas presidencialistas: o
presidente é obrigado a validar seu gabinete no Congresso.
Neste
caso, a votação foi adiada por uma semana após o falecimento do
deputado Fernando Herrera Mamani, que sofreu uma parada cardíaca durante
a sessão inicial. Por fim, em 4 de novembro, o Congresso peruano votou
pela segunda vez sobre o gabinete de Pedro Castillo em apenas 100 dias
de mandato.
Há apenas dois meses, com uma diferença mais folgada
(73 votos a favor e 50 contra), o professor Castillo obteve sua
primeira vitória parlamentar, na qual conseguiu ratificar sua proposta
ministerial encarnada na figura de seu (agora ex) presidente do Conselho
de Ministros (PCM), Guido Bellido, um homem de confiança do presidente
do partido Perú Libre, Vladimir Cerrón. Bellido renunciou em 6 de
outubro, imerso em diversas polêmicas e após seu distanciamento de
Castillo ficar visível.
Nesta ocasião, enfrentando inclusive a
oposição de parte da sua própria bancada, Mirtha Vásquez, advogada
ambientalista ligada ao Frente Amplio, defensora dos direitos humanos e
ex-presidente do Congresso durante a presidência de Francisco Sagasti,
conseguiu a aprovação de seu novo gabinete com um resultado apertado (68
votos a favor, 56 contra, 1 abstenção e 5 ausências).
O setor que responde ao ex-governador de Junín e presidente do Perú Libre, Vladimir Cerrón, denunciou que a queda de Bellido implicava concessões ao establishment e declarou que não acompanhariam a nomeação da nova ministra. Finalmente 16 dos 37 deputados que formam parte da bancada do Perú Libre
e que respondem diretamente a Cerrón votaram contra o novo gabinete. “O
irmão presidente Pedro Castillo não é de esquerda”, declarou o
ex-primeiro-ministro Bellido quando terminou a sessão.
Foi assim que 16 votos do Perú Libre
se juntaram à oposição fujimorista: 10 provenientes da ala cerronista,
que responde diretamente ao líder partidário e se guia em seu irmão e
porta-voz, Waldemar Cerrón, e seis votos de última hora, os
“indisciplinados”, referenciados no congressista por Lima Guillermo
Bermejo, que havia declarado que acompanharia a proposta do professor,
mas mudou de parecer após a saída do ministro do Interior, seu aliado
Luis Barranzuela.
Assim, se concretiza uma divisão na bancada
oficial que evidencia, entre outras coisas, as linhas internas que
coexistem no governo, mas que respondem sobretudo à batalha pela
condução do processo entre os dois homens fortes do oficialismo,
Castillo e Cerrón. A bancada direitista do Avanza País também se
fragmentou no eixo centro/periferia e viu como três dos seus deputados
votaram com Castillo. O pragmático César Acuña contribuiu com 13 das
suas 16 cadeiras, e o centro-esquerdista Acción Popular (AP) com 14.
O que aconteceu evidencia a debilidade e a fragmentação dos partidos políticos no Peru. O Perú Libre
é um partido com apenas 13 anos, de bases ideológicas muito firmes mas
sustentado principalmente na figura do seu líder, Vladimir Cerrón.
Perseguido judicialmente e estigmatizado pelo poder midiático, Cerrón
perdeu o pulso com o “profe” e boa parte do organicismo partidário se
aliou a Castillo.
Castillo, condicionado pelo voo próprio de
Bellido e o fogo amigo de Cerrón, conseguiu agarrar o touro pelos
chifres. Um reordenamento orgânico para um mandato que começa a
manifestar alguns acertos primordiais: o ministro de Economia, Pedro
Francke, anunciou na semana retrasada uma reforma tributária que visa
taxar os altos rendimentos, de mais de 300.000 soles, e pressionar
fiscalmente as grandes mineradoras que obtêm receitas exuberantes no
Peru.
Em sua exposição na quinta-feira passada, Mirtha Vásquez
reivindicou um “renovado pacto constitucional que se sustente em
objetivos comuns a favor da igualdade, da luta contra a corrupção, da
redução da pobreza e da reativação econômica com justiça”. Em 100 dias
de gestão, com avanços concretos como a segunda reforma agrária
(orientada para a industrialização de cooperativas de produtores), o
benefício Yanapay (350 soles para pessoas em situação de pobreza e
extrema pobreza), o congelamento dos preços do gás e a tentativa em
curso de aumentar as taxas impositivas a mineradoras, a discussão
constituinte parece suspensa à espera de colher os benefícios de uma
gestão que ainda luta para se firmar, entre debates internos, erros não
forçados e uma direita midiática radicalizada. Este é, talvez, um dos
principais debates táticos entre Castillo e Cerrón: não tanto os
objetivos primordiais, mas a velocidade das mudanças.
E se
falamos de erros não forçados, é necessário mencionar o episódio que
esta semana custou a Luis Barranzuela seu cargo como ministro do
Interior. Este policial aposentado e advogado do partido Perú Libre foi
surpreendido pela imprensa enquanto realizava uma reunião em sua casa,
apesar do decreto governamental que proíbe os encontros sociais.
Barranzuela assegurou que se tratou de uma reunião de trabalho, mas a
primeira-ministra – na época não ratificada – Mirtha Vásquez pediu sua
renúncia. Barranzuela viu-se obrigado a renunciar e Vásquez computou uma
primeira vitória exibindo exemplaridade.
Após a saída de
Barranzuela chega Avelino Guillén, advogado e destacado
ex-procurador-geral adjunto que conseguiu as condenações ao ditador
Alberto Fujimori por crimes contra a humanidade. Embora Guillén já
tivesse integrado as equipes técnicas de Castillo no segundo turno – e
inclusive participado no debate -, sua incorporação se soma a um clima
de época deste novo capítulo da gestão de Castillo: a chegada de
personalidades com grande prestígio pessoal mas pouca base
político-partidária.
Com cem dias de mandato, Castillo conserva
42% de aprovação no Oriente e 46% no Sul, de acordo com a última
sondagem do Instituto de Estudos Peruanos (IEP). 25% dos que o apoiam
afirmam que sua melhor virtude é se preocupar por quem tem menos,
enquanto 21% nada desprezíveis apontam como seu principal trunfo o
anseio por uma nova Constituição. O estudo acrescenta que 36% declaram
que a pior característica de Castillo é sua falta de liderança.
Por
último, um detalhe importante que reflete a complexidade de forças que
existem no Peru foram os movimentos no interior das Forças Armadas na
semana passada: tanto o presidente como o ministro de Defesa
oficializaram a substituição de comandantes do Exército e da Força
Aérea. o comandante geral do Exército, José Vizcarra Álvarez, e da Força
Aérea, general-do-ar Jorge Chaparro Pinto, foram removidos no contexto
da discussão pelas promoções na instituição castrense.
No final,
após a moção de confiança de Vásquez, Castillo consegue uma vitória
pírrica e contraditória: sua bancada está dividida, embora conserve uma
maioria leal (21 contra 16 dentro do Perú Libre). Alivia a ala
cerronista do Executivo mas com concessões importantes às bancadas
conservadoras. Organiza seu gabinete para fortalecer uma organização
mais eficaz e ordenada, mas se distancia do objetivo constituinte. Ele
se cerca de personalidades relevantes e com experiência em
administração, mas com um escasso capital político próprio.
Um
novo capítulo se abre na imprevisível política peruana, o segundo do
governo Castillo que, com rupturas e continuidades, tenta decolar com
ênfase nas medidas sanitárias, sociais e econômicas.
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[0] Tradução de Joana Arete, Opera.
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