quarta-feira, 26 de junho de 2019

A intervenção de curto prazo do lorde inglês

 

por Carlos Montaño e Maria Lúcia Duriguetto

I. Keynes e a tradição liberal


Para sua proposta poder constituir efetivamente política de governo, sendo membro do Partido Liberal, após a Primeira Guerra Mundial Keynes teve que se articular com o governante do Partido Laborista.

Por conta da ênfase na intervenção estatal na economia, e de seus vínculos com o laborismo inglês, Keynes foi muitas vezes tratado como “antiliberal” e até como “socialista” (ver, por exemplo, Hayek). Nada disso tem fundamento. Keynes é um típico pensador e político liberal, comprometido com os interesses da burguesia: é um lorde inglês (título nobiliário no Reino Unido, de origem feudal), membro do Partido Liberal inglês, e que declarou explícita e firmemente sua filiação à alta burguesia — em 1926 Keynes admitia abertamente que “a guerra de classes vai me encontrar do lado da burguesia educada”[1] — e aos interesses do capital - ao comentar a obra de Hayek, de 1944, contra o intervencionismo estatal, afirma: “Estou, moral e filosoficamente falando, não só de acordo, como de profundo e comovido acordo”[2]. Keynes esteve sempre ligado às autoridades inglesas: serviu no departamento do tesouro inglês durante a Primeira Guerra; foi membro da delegação britânica encarregada de elaborar o Tratado de Versalhes; foi responsável da delegação da Grã-Bretanha nas conferências de Bretton Woods, no final da Segunda Guerra Mundial.

Seu pensamento e sua intensa ação política influenciaram toda uma época.

Foi referência para o Relatório Beveridge: sobre o “Seguro Social e Serviços Afins” (publicado em 1942, na Inglaterra, pelo Sir William Beveridge, onde se organiza a Seguridade Social — que integra os seguros sociais, a assistência social e os seguros complementares voluntários — e se redefine o papel do Estado de “regulador” para “provedor”).

Em 1943 apresenta o Plano Keynes para o estabelecimento de uma autoridade monetária internacional, que embora tenha sido rejeitado, seu conteúdo foi adotado em 1944 na conferência de Bretton Woods (da qual participou como líder na delegação britânica), na criação de acordos e instituições internacionais (o FMI, o Bird e o BM).

Em 1946, foi aprovada a lei do “pleno emprego”, pelo governo Truman (nos Estados Unidos), que transformou em obrigação legal do Estado manter o pleno emprego mediante empréstimos e financiamentos de obras públicas.

Por tudo isso, Keynes pode ser considerado um dos fundadores do “planejamento estatal”, do Estado intervencionista para corrigir os problemas de mercado, enfim, do “Estado de Bem-Estar Social” (ou Welfare State).

II. Saída da crise... retorno à crise

Porém, se a política keynesiana serviu para retirar o capitalismo da crise (no segundo pós-guerra), aumentando a demanda e o emprego, e estimulando o crescimento do investimento produtivo, ela resulta, no longo prazo, fortemente inflacionária, e gera elevado déficit fiscal estatal (o “investimento estatal” gera endividamento público e a emissão de dinheiro para além do respaldo em ouro resulta fortemente inflacionário), derivando assim, após um período de crescimento econômico, numa nova fase de crise e recessão. O déficit fiscal e a inflação são toleráveis no curto prazo, mais insuportáveis pelo sistema no longo prazo. Em relação a isso, Keynes foi indagado sobre a questão de o déficit público levar, no longo prazo, a uma escalada inflacionária, ao que respondeu: “No longo prazo todos nós estaremos mortos”.

A resposta keynesiana para enfrentar a crise no curto prazo, e para promover produção e consumo massivos, promovendo pela via da intervenção estatal a demanda efetiva e o emprego, desenvolvendo serviços estatais e direitos sociais e trabalhistas, tornou-se inviável e insustentável para o capital no longo prazo, derivando numa nova fase da crise capitalista, a partir de 1973.

É que Keynes quis enfrentar a crise capitalista com a intervenção estatal na esfera de consumo, quando o problema surge na esfera de produção — enquanto ele considera a crise como de “subconsumo” (a resposta sendo o estímulo à demanda e ao poder aquisitivo ou capacidade de consumo), Marx concebe a crise como de “superprodução” (devido à própria lógica do modo de produção capitalista e à sua divisão em classes).

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Notas:
[1] apud I. Mészáros, Para além do capital, São Paulo, Boitempo, 2002, p. 11.
[2] in F. Hayek, O caminho da servidão, Rio de Janeiro, Instituto Liberal, 1990, quarta capa.
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MONTAÑO, C.; DURIGUETTO, M.L. Estado, classe e movimento social. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2011, pp. 58-60. (Biblioteca Básica de Serviço Social; v.5)
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