quarta-feira, 8 de junho de 2022

Dois momentos brasileiros da Escola de Frankfurt



por Carlos Nelson Coutinho
 
Uma definição sumária da Escola de Frankfurt é tarefa irrealizável: não somente por causa da riqueza dos temas abordados por seus integrantes (que vão dos pressupostos epistemológicos da teoria social à sociologia da música, do conceito de Estado autoritário às relações entre psicanálise e marxismo, da filosofia da história à indústria cultural), mas também — e talvez sobretudo — por causa da variedade de posições assumidas por seus principais representantes. Felizmente, para o objetivo destas notas (o de examinar alguns aspectos da recepção da Escola no Brasil), posso deixar de lado essa definição, tomando como pressuposto a unidade relativa da problemática frankfurtiana: ou seja, a crítica da cultura moderna à luz de algumas categorias (como as de reificação e alienação) recolhidas essencialmente da tradição hegeliano-marxista que se inicia com História e consciência de classe [1923], a obra juvenil de Lukács.[1]

Mas, se não é aqui o local adequado para uma avaliação das diversidades internas da Escola (tanto sincrônicas quanto, sobretudo, diacrônicas), parece-me importante começar por registrá-las: na medida em que a influência de Frankfurt no Brasil levou, como veremos, a resultados substancialmente diversos, cabe perguntar se tal diversidade é fruto da própria heterogeneidade imanente à Escola, se é motivada pela variação histórica do contexto em que ocorreu entre nós a recepção dos frankfurtianos, ou — o que me parece mais verossímil — se resulta de uma combinação das duas coisas. O fato é que, no interior da unidade relativa que indicamos acima, a Escola de Frankfurt passou no Brasil da condição de estímulo intelectual à contracultura irracionalista, no início dos anos de 1970, para a de base teórica de uma vigorosa defesa da razão contra o surto irracionalista do atual pós-moderno. A contradição parece à primeira vista tão gritante que cabe indagar se, por trás das aparências, não haverá pelo menos algum elemento de continuidade.

I. Marcuse e a contracultura tupiniquim
 
II. Rouanet e a defesa da razão
 
O ocaso de Marcuse foi também, por algum tempo, o ocaso da Escola de Frankfurt entre nós[6]. Com a reativação da vida política a partir de meados dos anos de 1970, o espaço intelectual — que era essencialmente “estético-cultural” no período anterior, em função da dura censura ditatorial — foi ampliado com o retorno de temas explicitamente políticos. É o momento, por exemplo, que Antonio Gramsci — que fora quase esquecido durante todo o período que vai de 1968 a 1976 — emerge como um dos pontos obrigatórios da reflexão marxista entre nós.[7] Parece-me supérfluo insistir no valor positivo dessa ampliação temática para a reflexão intelectual no Brasil e, em particular, para a reflexão que se inspira no marxismo. Mas cabe também registrar que, num curioso movimento pendular, ocorreu por algum tempo uma excessiva “politização” do espaço cultural, com um relativa “desativação” das problemáticas estéticas e crítico-culturais que marcaram as polêmicas do período anterior. Decerto, essa transitória “desativação” era resultado da urgência de encaminhar e aprofundar a transição da ditadura à democracia, uma tarefa na qual se empenhou a grande maioria da intelectualidade, independentemente da diversidade de sua concepções do mundo e da cultura. Mas era também natural que, uma vez alcançado um regime de liberdades democráticas, a polêmica especificamente cultural e ideológica voltasse à superfície e reconquistasse o lugar que lhe é de direito no espaço intelectual brasileiro. Digo “de direito” porque, sem polêmica sobre concepções do mundo e da cultura, não há luta pela hegemonia; e, sem luta pela hegemonia, não existe uma vida política saudável.

É precisamente nesse quadro de reativação do debate especificamente ideológico-cultural que tem lugar o segundo momento brasileiro da Escola de Frankfurt. Cabe notar, antes de mais nada, que esse segundo momento é muito mais amplo e diversificado do que o primeiro: em vez do quase monopólio marcusiano de final dos anos 1960 e início de 1970, vemos agora serem editados no Brasil alguns dos mais importantes trabalhos de Horkheimer, Adorno, Habermas e, sobretudo, Benjamin[8], Por outro lado, com Sérgio Paulo Rouanet, a Escola se “naturalizou” definitivamente: seus últimos livros[9], de marcada inspiração frankfurtiana, contribuem não somente para consolidar a elevação da ensaística brasileira ao nível de sua melhor congênere internacional, mas chegam mesmo, em minha opinião, a dar uma significativa contribuição para o enriquecimento da problemática frankfurtiana em termos universais. E mais: com seus instigantes artigos sobre a cultura brasileira de hoje[10], Rouanet colocou a Escola de Frankfurt no centro de uma das mais importantes polêmicas culturais desse início da mal chamada “Nova República”. É a esses artigos que vamos dedicar o restante deste ensaio.

De certo modo, o primeiro poderíamos dizer, num comentário sobre esses artigos polêmicos de Rouanet, é que neles Frankfurt se pôs contra Frankfurt: quando Rouanet critica o irracionalismo que entrevê em muitas “subculturas jovens”, que reconstituem “a polarização clássica entre a vida e a teoria que loresceu (...) no romantismo”, certamente está criticando uma ressurreição “pós-moderna” da velha contracultura brasileira dos anos 1970, a qual, como vimos, sofreu forte influência do frankfurtiano Marcuse. Talvez possa ser interpretado como um “ato falho” o fato de que Rouanet, quando enumera as vertentes teóricas que estariam na raiz dessas “subculturas” antirracionalistas, cite explicitamente Foucault e os nouveaux philosophes, mas omita o nome de Marcuse e (por que não lembrar?) de um certo Benjamin fascinado por suas experiências com drogas. E é curioso que o único Marcuse a que ele se refira seja o do último período, precisamente o Marcuse autocrítico de Contrarrevolução e revolta. Todavia, recordar tais omissões pode aparecer como uma mesquinharia diante do que é mais importante nos ensaios de Rouanet: eles nos recordam que a Escola de Frankfurt, liberada de seus momentos mais “dionisíacos”, mais romântico-anticapitalistas, possui alguns instrumentos eficientes para denunciar o irracionalismo e propor soluções culturais bastante próximas da tradição dialético-racionalista que me parece estar contida na produção de Gramsci e do melhor Lukács da última fase. E é a essa vertente frankfurtiana — que se propõe liberar a razão das repressões que a aprisionam, e não identificá-la com a repressão e, portanto, condená-la sumariamente — que Rouanet pertence.

São muitos os pontos em que concordo plenamente com Rouanet. Por exemplo: quando ele aponta no “nacionalismo cultural”, na crítica xenófoba à cultura universal, uma manifestação não só irracionalista, mas objetivamente reacionária[11]. Compartilho igualmente seu combate ao chamado “pós-moderno”, ou seja, seu empenho em conservar a necessária distinção entre a alta cultura, por um lado e, por outro, a cultura popular e de massas: somente através da alta cultura (e, muito em particular, da grande arte) é possível ao indivíduo elevar-se à autoconsciência de sua participação no gênero humano, na medida em que por meio dela se apropria dos instrumentos capazes de romper a falsa consciência alienada e particularista que o impede de desenvolver uma adequada postura crítica diante do mundo em que se vive. Também me parece corresponder a uma política cultural efetivamente democrática sua atitude em face da língua culta (que me recorda o combate similar de Gramsci pela língua nacional e contra o fetichismo do dialeto); ou sua corajosa denúncia das manifestações anti-intelectualismo que vicejam hoje entre alguns setores do movimento operário brasileiro (em particular, mas não apenas, em algumas correntes minoritárias do PT). Em todos esses pontos, que são decisivos  em seus ensaios, Rouanet demonstra que pode haver uma convergência de princípio entre uma postura gramsciana e lukacsiana em face da cultura e um frankfurtiano “apolíneo”, baseado no que há de mais lúcido nas reflexões de Adorno, de Benjamin e de Habermas.

Mas, de um ponto de vista gramsciano (que, diga-se de passagem, pode e deve ser enriquecido com algumas reflexões lukacsianas), sinto-me tentado a levantar algumas objeções às formulações da Escola de Frankfurt, mesmo em seus melhores momentos. Em primeiro lugar, diria que a colocação geral de Rouanet pressupõe distinções demasiado rígidas entre o vários níveis da cultura e, mais concretamente, da consciência social que se expressa através das obras culturais. Decerto. ele nos adverte para o fato de que “a alta cultura e a cultura popular são as duas metades de uma totalidade cindida”; mas, ao mesmo tempo, afirma um pouco resignadamente que essa totalidade “só poderá recompor-se na linha de fuga de uma utopia tendencial”. Em segundo lugar, revelando uma forte influência adorniana, parece considerar como essencialmente alienada toda a cultura de massas (que ele distingue corretamente da cultura popular), isto é, a cultura gerada pelo modernos meios de comunicação[12]. É o que me parece resultar de sua afirmação de que “a ameaça à sobrevivência da literatura de cordel não é o Finnegan's Wake, e sim a telenovela”. Uma análise menos abstrata, mais diferenciada, deveria não só levar em conta a possibilidade de que a consciência alienada e o irracionalismo se manifestem também no interior da alta cultura (e este me parece precisamente o caso da obra de Joyce tomada como exemplo por Rouanet), mas também, inversamente, como veremos a seguir, a possibilidade de que obras da cultura de massa (como algumas telenovelas) expressem elementos de uma consciência crítica e não alienada. Embora certamente não seja  essa a intenção de Rouanet, o fato é que sua posição frankfurtiana conduz a um certo imobilismo: por um lado, devemos proteger a cultura popular, que ele identifica, em mais de uma oportunidade, com o folclore (literatura de cordel, artesanato nordestino etc.); por outro, trata-se de valorizar os produtos da alta cultura, operando extraculturalmente (por meio da democratização da sociedade) no sentido de que o povo tenha acesso a seus produtos. E, finalmente, cabe proteger ambas contra “a cultura de massas, nacional ou estrangeira”, adornianamente concebida como o reino da alienação e da manipulação.

Com Gramsci, eu diria que uma política cultural democrática — sem deixar de lado, evidentemente, os fatores extraculturais de democratização — deve operar de modo que a “recomposição da totalidade cindida” se processe também por meio de um progressivo potenciamento das virtualidades de pensamento crítico contidas nos níveis culturais inferiores. Mais explicitamente: o que Rouanet designa como cultura popular é, essencialmente, o que Gramsci chama de “folclore”, ou seja, um amálgama bizarro de elementos heterogêneos provenientes da cultura superior do passado (é o caso, muito claramente, do romance de cordel, citado por Rouanet). Através dessa cultura popular, forma-se o que Gramsci chama de “senso comum”: um conjunto de concepções do mundo heterogêneas e contraditórias que organizam a práxis dos “simples”, fornecendo-lhes normas para a ação. Para Gramsci, a luta por uma nova cultura (momento da luta por uma nova hegemonia) implica um esforço no sentido de “depurar” o “senso comum” e elevá-lo ao nível do “bom senso”, ou seja, a uma concepção do mundo mais organizada e sistemática que, liberta de anacronismos e mesclas bizarras, coloque-se à altura da modernidade e se converta em instrumento de uma práxis crítica. Todos sabem o imenso papel que Gramsci atribuía aos “grandes intelectuais” — e, como tal, a alta cultura — nesse processo de elevação da consciência folclorista ao nível do bom senso (ou, se quisermos, da cultura nacional-popular). Mas tal processo não pode ser confiado à simples esperança numa “utopia tendencial”: sem jamais propor o desprezo ou o abandono da alta cultura, Gramsci chega a dizer que — no nível da consciência social — o fato de que uma concepção do mundo já elaborada seja difundida entre as massas, tornando-se “bom senso”, é mais importante do que a realização de uma descoberta teórica específica que reste limitada a círculo restrito. Por outro lado, para o autor dos Cadernos do cárcere, essa obra de difusão e renovação cultural não só não é incompatível com a grande arte, mas é mesmo uma de suas condições: “É lutando por uma nova cultura — diz ele — que se chega a modificar o conteúdo da arte”[13].

Ora, no mundo moderno (que deve certamente ser criticado, mas não romanticamente recusado em bloco), a difusão de massa de uma cultura crítica pode encontrar nos meios eletrônicos de comunicação um instrumento privilegiado. Refiro-me, em primeiro lugar, ao caráter positivo da difusão pela mídia de obras culturais de nível superior (algo com o que o próprio Rouanet talvez concorde, já que afirma que “até certo ponto a indústria cultural é neutra em matéria de conteúdos”); com o perdão de Adorno, citado por Rouanet, parece-me muito importante que milhares de pessoas escutem a Nova Sinfonia pelo rádio ou pela televisão, mesmo que essa audição se dê entre duas propagandas de dentifrício, caso a alternativa para isso seja a de que jamais a escutem, por não poderem frequentar uma adequada sala de concertos. Mas, em segundo lugar, penso também na possibilidade de que determinados gêneros culturais criados pelos meios de comunicação possam contribuir para elevar progressivamente o gosto artístico popular (tornando assim menos utópica a “recomposição da totalidade cindida”) e, sobretudo, para operar aquela difusão massiva de determinadas concepções do mundo de teor crítico desejada por Gramsci. Gostaria de sublinhar que se trata de uma possibilidade, que coexiste com a (e é frequentemente derrotada pela) possibilidade contrária, ou seja, a de que tais gêneros sirvam para difundir uma cultura alienada, regressiva e manipuladora (Gramsci apontou uma ambiguidade similar quando analisou o romance-folhetim e o melodrama italiano). Entretanto, se admitirmos que, apesar de tudo — ou seja, de suas limitações intrínsecas e de seu atual controle pelos monopólios —, os meios eletrônicos de comunicação comportam aquela possibilidade positiva, então se trata de lutar para que ela se converta em realidade, suplantando a possibilidade negativa contrária.

Quando falamos em gênero criado pela mídia eletrônica, é claro que logo vem à mente, no caso brasileiro, a telenovela, aliás fartamente citada por Rouanet. Ao contrário do que supõe o radicalismo de Horkheimer e Adorno, para os quais não há diferença entre Victor Mature e Charles Chaplin, ambos submetidos à barbárie de uma indústria cultural que eles veem como globalmente alienada e alienante, considero um progresso que as telenovelas brasileiras não sejam mais escritas por Glória Magadan e, sim, digamos, por Dias Gomes. Não posso me alongar aqui sobre a questão, mas creio que muitas de nossas recentes telenovelas, com todas as insuperáveis limitações formais do gênero e como todos os esquematismo que sempre podem ser apontados em seus conteúdos concretos, difundem grande número de elementos culturais críticos, os quais — embora óbvios ou mesmo banais para os que são familiarizados com a alta cultura — chegam através delas, pela primeira vez, a uma massa de milhões de telespectadores. Produções desse tipo podem diminuir a defasagem entre o folclorismo anacrônico, hoje predominante na cultura do povo, e uma consciência nacional-popular mais rica e desenvolvida. Nesse sentido, considero manifestação de elitismo a condenação prévia da telenovela enquanto gênero, sob a alegação de que, por operar no nível do agradável e não do estético, ela jamais poderá alcançar o patamar artístico-ideológico de obras como, por exemplo, Doutor Faustus ou Viva o povo brasileiro[14].

Por tudo isso, no plano da política cultural, a concepção gramsciana de uma inter-relação dinâmica e retroalimentadora entre os vários níveis culturais me parece mais fecunda do que a visão estática e, em última instância, conservadora que resulta das concepções de Horkheimer e Adorno. É nesse ponto que julgo entrever uma linha de continuidade, no seio de uma marcada descontinuidade, entre os dois momentos da recepção da Escola de Frankfurt no Brasil: na medida em que opta por trabalhar num nível demasiadamente abstrato, “filosófico-universal”, a Escola de Frankfurt — seja em sua versão “contracultural” marcusiana, seja em sua atual figura racionalista encarnada por Rouanet — tende a deixar de lado muitas mediações sociais concretas, sem as quais é impossível realizar uma análise histórico-materialista da cultura e, como consequência, propor uma política cultural democrática e socialista, que não perca de vista a questão da luta pela hegemonia entre diferentes blocos de classe. Porque, afinal, quando Rouanet nos diz que o irracionalismo brasileiro “se apropriou (...) das três tendências mencionadas [anticolonialista, antielitista e antiautoritária], usando-as para seus próprios fins”, não me parece manifestação de sociologismo vulgar lembrar-lhe que o “irracionalismo” não tem fins, mas que é apenas a manifestação ideológica de uma classe (ou de um bloco de classes) historicamente concreta. A que interesses sociais serve o irracionalismo que Rouanet tão lucidamente denuncia e combate? Na medida em que o marxismo frankfurtiano, com sua declarada predileção pela crítica cultural “epocal”, deixa inteiramente de lado a questão da luta de classes, não é de surpreender que não haja nos ensaios de Rouanet nenhuma resposta a essa questão.

Seria uma ilusão ingênua supor que se possa fazer uma “reforma intelectual e moral” (Gramsci) de modo exclusivo, ou automaticamente, através da difusão propiciada pela mídia eletrônica: devemos à Escola de Frankfurt, e em particular a Horkheimer e Adorno, uma consciência mais lúcida e perspicaz dos imensos riscos regressivos contidos na indústria cultural. A adoração basbaque das virtudes da mídia, tão bem denunciada por Rouanet, é certamente uma manifestação equivocada, que deve ser duramente combatida. Mas também me parece perigoso ignorar as potencialidades dos meios de comunicação de massa, quando submetidos à pressão e ao controle de uma sociedade civil forte e democrática, no processo de elevação do senso comum folclorístico ao “bom senso” crítico. Enquanto aparelhos de hegemonia, também os meios eletrônicos são terreno de uma “guerra de posições” entre blocos sociais conflitantes. Numa vertente frankfurtiana diversa daquela de Adorno, foi esta a conclusão a que chegou Benjamin, em seu belo ensaio sobre “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”. Se quisermos evitar o espírito de Kulturkritik romântica que condena inapelavelmente o desenvolvimento tecnológico, e se temos de reconhecer que a expansão dos meios de comunicação é algo inexorável no mundo moderno, então temos de atualizar, parodiando, a lição de Benjamin: diante das tentativas de “pseudoestetização” da mídia a serviço da alienação e do embrutecimento, a resposta do comunismo é politizar a cultura de massas. Contudo, para que essa arriscada operação não se converta em populismo, ou mesmo cinismo (“se o estupro é inevitável, relaxe e aproveite”), mas se mantenha gramscianamente no nível de uma proposta nacional-popular aberta à alta cultura e aos seus insubstituíveis valores estéticos e ideológicos, as advertências da Escola de Frankfurt são indispensáveis. E temos de agradecer a Rouanet por nos tê-las recordado, com lucidez e coragem.

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Notas:
[1] Uma visão fortemente crítica da Escola de Frankfurt, apontada como manifestação de Kulturkritik romântica, pode ser encontrada em J. G. Merquior, Western marxism, Londres, Paladin, 1986, p. 111-138, 155-185. Embora concorde em muitos pontos com a análise de Merquior, não sou tão cético quanto ele sobre o valor analítico positivo de muitas formulações “crítico-culturais” da Escola de Frankfurt, como se verá em seguida.
[2] De Herbert Marcuse, foram publicados no Brasil, entre 1968 e 1973, os seguintes livros: O homem unidimensional, Eros e civilização, Ideias sobre uma teoria crítica da sociedade, Contrarrevolução e revolta (todos pela Zahar), O fim da utopia (Paz e Terra), O marxismo soviético e Razão e revolução (pela Saga, depois Paz e Terra). De Walter Benjamim, apareceram pelo menos três versões do ensaio: “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica” e, em 1975, uma coletânea, A modernidade e os modernos (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro), que contém um importante estudo sobre Baudelaire. De Horkheimer e Adorno, foi publicado um capítulo da Dialektik der Aufklärung sobre “A indústria cultural”; e, do último, além de versões do ensaio “Moda sem tempo: sobre o Jazz” e de uma do texto “Ideias para uma sociologia da música”, apareceu em 1975 uma coletânea. Os ensaios de Roberto Schwarz estão em A sereia e o desconfiado, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965; e o estudo de Merquior é Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamim, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1969. Essa bibliografia não pretende ser exaustiva.
[3] O termo foi cunhado pelo lukacsiano alemão Wolfgang Harich, Critica dell'impazienza rivoluzionaria, Milão, Feltrinelli, 1972.
[4] Os artigos de Luiz Carlos Maciel foram depois recolhidos em Nova consciência. Jornalismo contracultural 1970/1972, Rio de Janeiro, Eldorado, 1973. lendo-se essa coletânea pode-se facilmente perceber a “evolução” da contracultura brasileira de Marcuse e Reich para Heidegger e o orientalismo.
[5] O grupo lukacsiano brasileiro era formado na época por Leandro Konder, Luiz Sérgio Henriques, José Paulo Netto, Gilvan P. Ribeiro e por mim. O leitor perceberá que, se a observação acima comporta um autoelogio, comporta também uma autocrítica.
[6] Há, pelo menos, duas exceções. Nesse período, Roberto Schwarz publica o seu excelente ensaio sobre o primeiro Machado, Ao vencedor as batatas (São Paulo, Duas Cidades, 1977), onde utiliza amplamente categorias frankfurtianas. E Flávio R. Kothe publica Benjamin & Adorno: confrontos (São Paulo, Ática, 1978).
[7] Cf. C. N. Coutinho,
“A recepção de Gramsci no Brasil”, in: Id., Gramsci. Um estudo sobre seu pensamento político, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999, p. 279-305.
[8] Também sem nenhuma pretensão exaustiva, citaria: de Horkheimer e Adorno, Dialética do esclarecimento (Rio de Janeiro, Zahar, 1985); de Benjamin, Haxixe, Origem do drama barroco e Obras escolhidas v. 1, 2 e 3 (todos pela Brasiliense, São Paulo, 1984-1989); de Habermas, Conhecimento e interesse (Zahar), Para a reconstrução do materialismo histórico (Brasiliense), Mudança estrutural da esfera pública e Crise de legitimidade no capitalismo tardio (Tempo Brasileiro). Cabe ainda registrar duas antologias, sobre Habermas (organizada por S. P. Rouanet e B. Freytag) e sobre Benjamin (por Flávio R. Kothe), publicadas na coleção
Grandes Cientistas Sociais”, da editora Ática, São Paulo, respectivamente em 1980 e 1985, bem como a coletânea de textos frankfurtianos publicados pela Abril Cultural, São Paulo, na coleção “Os Pensadores”, vol. XLVIII, 1975, com várias reedições posteriores.
[9] Refiro-me a Édipo e o anjo: itinerários freudianos em Walter Benjamin (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1981); Teoria crítica e psicanálise (Rio de Janeiro/Fortaleza, Tempo Brasileiro/UFCE, 1983); A razão cativa (São Paulo, Brasiliense, 1985); As razões do iluminismo (São Paulo, Companhia de Letras, 1987).
[10] Cf. Sérgio Paulo Rouanet,
“Verde-amarelo é a cor do nosso irracionalismo”, in: Folhetim, 17 de novembro de 1985; e Id., “Blefando no malhado”, ibid., 15 de dezembro de 1985 (republicados em As razões do iluminismo, cit., p. 124-146). Mas cf. também a entrevista de Rouanet publicada em Veja, de 29 de janeiro de 1986. Todas as citações de Rouanet contidas neste ensaio são retiradas desses seus três trabalhos.
[11] Cf. supra,
“Cultura e sociedade no Brasil”., p. 54 e ss.
[12] Além dos explícitos motivos de crítica tendencialmente marxista, creio que não é difícil perceber na radical oposição de Adorno à indústria cultural também uma posição elitista, ou seja, um indisfarçável mal-estar diante do
“agradável”, do mero divertissement. É interessante observar que, em sua Estética (Turim, Einaudi, vol. 2, p. 1288-1336), Lukács também insiste na substancial distinção entre o “agradável” e o “estético”; no entanto, ele não condena o uso do agradável em obras culturais, mas sim a sua confusão com o especificamente estético.
[13] Resumo aqui conceitos gramscianos expressos nos Cadernos de cárcere, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999-2002, em particular nos vs. 1, 2 e 6. Nas velhas edições brasileiras, eles podem se encontrados em Concepção dialética da história, Literatura e vida nacional e Os intelectuais e a organização da cultura (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, respectivamente 1966, 1968 e e 1968).
[14] Um discurso semelhante seria também válido, certamente em maior medida, para a nossa música popular: num país onde a alta literatura quase sempre expressou um escasso grau de consciência nacional-popular, foi através dessa música — de Noel Rosa a Caetano Veloso e Chico Buarque — que grande parte da população encontrou instrumentos para forjar o seu “bom senso”, ou seja, a sua consciência crítica.
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COUTINHO, C. N. “Dois momentos brasileiros da Escola de Frankfurt” [1986]. In: Cultura e sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e formas. 4ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011, p. 73-88.
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