quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Sobre o social-liberalismo, a Old Left

A velha esquerda e a razão

O novo irracionalismo se considera crítico e denuncia um status quo visto como hostil à vida. A partir de uma certa leitura de Foucault, Deleuze e Lyotard, e sob a influência de um neonietzscheanismo que vê relações de poder em toda parte, ele considera a razão o principal agente da repressão, e não o órgão da liberdade, como afirmava a velha esquerda. 


Sérgio Paulo Rouanet, As razões do iluminismo
São Paulo: Companhia de Letras, 1987, p. 11-12.

O liberalismo rousseauniano

A obra de Rousseau, que pode ser considerada como representante da ala esquerda da pequena burguesia francesa na época da Ilustração, demonstra nitidamente o caráter progressista e ao mesmo tempo ambíguo do pensamento burguês. Rousseau criticou duramente o feudalismo e o despotismo, defendeu a democracia liberal e a igualdade jurídica entre os homens. "O Rousseau revoltado e anarquizante das primeiras obras volta-se totalmente para o mito da sociedade primitiva, perfeita e feliz. Sabe-se, por exemplo, que, no Discurso sobre as ciências e as artes (1750), ele foi a ponto de denunciar as desvantagens das ciências e das técnicas, das artes e do progresso em geral." Depois, afasta-se da ideia de uma comunidade de bens e transforma-se num reformista, propondo um novo "estado de sociedade" capaz de reencontrar a felicidade perdida. No Contrato social, Rousseau é um republicano que defende uma sociedade de artesãos e pequenos camponeses. Nesse período, ele já afirma que o "contrato social" é um recurso analítico e que o "estado selvagem" é uma suposição abstrata, não obstante continue raciocinando nos termos desse contrato. "Suponho aos homens — diz Rousseau — terem chegado a um ponto em que os obstáculos que atentam à sua conservação no estado natural excedem, pela sua resistência, as forças que cada indivíduo pode empregar para manter-se nesse estado. Então este estado primitivo não pode subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse seu modo de ser". O pensamento burguês partia dessa abstração, seja considerando essa situação verossímil ou apenas como ponto de partida teórico-analítico. De qualquer modo, a sociedade era percebida como uma soma de indivíduos, e estes como depositários de uma essência humana plenamente determinada. Rousseau não foi o primeiro, mas sua evolução sintetiza o impasse do pensamento burguês e de seus possíveis desdobramentos.
Adelmo Genro Filho, "Ecologismo e marxismo: dois pesos e duas medidas".
In: Marxismo, filosofia profana. Porto Alegre: Tchê, 1986, pp. 49-80.

A categoria da gradualidade no hegelianismo

Em polêmica contra Hegel, que salienta a necessidade de que a mudança político-constituicional ocorra de modo lento e gradual, Marx observa que "a categoria da transição gradual, em primeiro lugar, é historicamente falsa e, em segundo, não explica nada". O jovem Marx, portanto, não tem dúvidas sobre o fato de que Hegel se coloca em posições gradualistas e reformistas, mas esse é apenas um aspecto do problema; o outro consiste no fato de que a crítica a tais posições é conduzida com argumentações e categorias que não apenas pressupõem a lição de Hegel, mas que parecem ser literalmente extraídas do seu texto. Na Enciclopédia podemos ler: "A mudança gradual é o último refúgio superficial para poder atribuir tranquilidade e duração às coisas" (par. 258 Z). Se a Filosofia do direito é dominada, pelo menos no momento em que expõe um concreto programa político para a Alemanha, pela categoria da gradualidade, provocando com isso o protesto e a crítica de Marx, a Lógica é dominada pela categoria de salto qualitativo e, portanto, suscita, a tal propósito, o consenso e o entusiasmo de Lenin.

É claro: estamos na presença de dois planos diversos, que Engels procurou identificar e distinguir como "método" e "sistema". Como tivemos oportunidade de ver no primeiro capítulo do presente trabalho, a duplicidade de planos é de algum modo percebida também pelos críticos reacionários. Naturalmente, tal distinção não identifica dois planos nitidamente separados, mas ela mesmo tem caráter metodológico. Podemos dizer que o "método" reflete a experiência histórica da Revolução Francesa e das grandes perturbações da época, e reflete ainda as exigências profundas da luta teórica contra a ideologia da reação e da conservação; o "sistema" remete a escolhas políticas imediatas. Pode-se dar um exemplo. A celebração da categoria da gradualidade, antes de se tornar uma palavra de ordem do moderantismo liberal, é uma palavra de ordem dos ambientes conservadores e reacionários; na Prússia, os porta-vozes dos Junker se contrapõem em nome da "sábia gradualidade" às reformas, consideradas arrojadas, que desmantelam o edifício feudal prussiano depois da derrota de Jena.

Domenico Losurdo, Hegel, Marx e a tradição liberal: liberdade, igualdade, estado.
Trad. C. A. F. Nicola Dastoli.
São Paulo: Editora Unesp, 1998, p. 196-197.

A comunicativa conciliação de classes em Habermas

A importância de J. Habermas para o debate teórico nos últimos anos do século XX~não deve ser subestimada. Por duas razões fundamentais. A primeira porque, ao se manter no campo do racionalismo em um momento em que a maré montante do pós-modernismo se fez sentir com mais força, Habermas se credenciou para uma sobrevida que se estenderá para muito além da crise das formas mais bárbaras que a ideologia conservadora assumiu nas últimas décadas. A derrocada do pós-modernismo que hoje assistimos certamente deixará intacta a influência de seu pensamento.

A segunda porque a Teoria do agir comunicativo é o primeiro constructo filosófico, depois de Marx, capaz de fornecer uma concepção articulada de toda a reprodução da sociabilidade contemporânea. E capaz de o fazer — e daqui deriva seu enorme potencial ideológico do ponto de vista o mais conservador — a partir de uma categoria, o mundo da vida, que se propõe como substituta do trabalho enquanto fundante do mundo dos homens. Ao elaborar a Teoria do agir comunicativo, Habermas se converteu no autêntico filósofo da burguesia nesta época de crise, pois forneceu as bases para uma concepção de mundo em tudo compatível com o mercado e com as relações político-democráticas do capitalismo desenvolvido.

Sérgio Lessa, Mundo dos homens: trabalho e ser social.
São Paulo, Boitempo, 2002, p. 205.

= = =

Nenhum comentário:

Postar um comentário