quinta-feira, 21 de março de 2019

Economics e imperialismo

 

por Prabhat Patnaik
People's Democracy

A teoria econômica burguesa dominante, que ocupa a posição hegemônica no mundo acadêmico de hoje, é frequentemente criticada por ser “irreal”, ao proceder baseada em suposições que obviamente não correspondem à realidade. Contudo, esta crítica, apesar de válida, não capta a real intenção da teoria, que é a de servir como camuflagem ao imperialismo. O conteúdo teórico da economia burguesa dominante avança um conjunto de proposições sobre o funcionamento do capitalismo que nega qualquer necessidade e, portanto, qualquer papel ao imperialismo no desenvolvimento capitalista. Dado que o imperialismo é, de fato, um elemento crucial ao funcionamento do capitalismo, essas proposições são, por óbvio, “irreais”, mas destacar seu caráter “irreal” não basta. Este caráter “irreal” tem um propósito, e este fato não pode ser ignorado.

Dizer que a economia burguesa serve ao imperialismo não equivale a sugerir que todos os economistas burgueses desempenham deliberadamente este papel. Quando um determinado discurso ganha valor de face, muitos economistas insuspeitos, de modo inocente, se mantêm dentro de seus limites, por razões profissionais e de carreira. Como um determinado discurso ganha valor de face e como aqueles que desafiam seus limites são penalizados profissionalmente, são tópicos pertinentes à sociologia da vida acadêmica, e não serão discutidos aqui. Devo cingir-me à ilustração da minha proposição de que a economia serve para camuflar o imperialismo, e o farei recorrendo a apenas duas teorias padrão.

A primeira é a “teoria do crescimento”, isto é, a teoria que se ocupa do que determina o crescimento duma economia capitalista no longo prazo. A posição mais habitualmente defendida, que foi desenvolvida com rigor por Robert Solow, do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e que ganhou um Prêmio Nobel pelo trabalho, o qual foi recentemente utilizado por Thomas Piketty (a propósito, nem Solow nem Piketty podem ser considerados ideologicamente de direita, de forma alguma), é que o crescimento de uma economia capitalista, no longo prazo, é determinado pela taxa de crescimento de sua força de trabalho. É claro que quando a taxa natural de crescimento da força de trabalho é de, digamos, 3% ao ano e a produtividade do trabalho a uma razão capital/produto dada cresce a 2% ao ano devido ao progresso tecnológico (isto é, cada trabalhador hoje equivalerá a 1,02 trabalhador no próximo ano), a taxa de crescimento desta economia, no longo prazo, de acordo com esta teoria, equivalerá a 5%. Resumidamente, a taxa de crescimento da economia equivalerá à taxa de crescimento da força de trabalho, não em unidades naturais, mas em “unidades de eficiência”. Mas isto é apenas uma variação sobre o tema; o ponto básico é que a teoria burguesa predominante, que é ensinada assiduamente em quase todas as universidades do mundo, considera que o crescimento econômico, sob o capitalismo, é limitado pela disponibilidade de mão de obra.

Ocorre que esta é uma proposição notavelmente bizarra, uma vez que, ao longo da sua história, o capitalismo deslocou milhões de pessoas através do globo para satisfazer as necessidades de acumulação de capital. Vinte milhões de escravos foram embarcados à força para cruzar o Oceano Atlântico, da África ao assim chamado “Novo Mundo”, para trabalhar em minas e em plantations. E depois que o tráfico de escravos chegou ao fim, 50 milhões de chineses e indianos (de acordo com uma estimativa) foram transportados, como coolies ou sob servidão por contrato, até a Primeira Guerra Mundial, a lugares distantes como Fiji, as Ilhas Maurício ou as Índias Ocidentais, novamente para trabalhar em minas e plantations, de forma a satisfazer as necessidades do capital metropolitano.

Quando se observa que o capital desenraizou, desta forma brutal, milhões de pessoas para suprir suas necessidades de mão de obra, dizer que a acumulação de capital simplesmente se ajusta com mansidão à disponibilidade de mão de obra interna é incrivelmente absurdo. Ainda assim, é o que a teoria econômica dominante defende. É claro que, se a teoria propusesse que a acumulação de capital fosse limitada pela disponibilidade de mão de obra, se o capitalismo tivesse que se arranjar somente com a força de trabalho interna, e que teria portanto forçosamente de percorrer o globo em busca de trabalhadores e desenraizasse um grande contingente de pessoas para satisfazer as necessidades de trabalho humano, isto é, se se tratasse de uma teoria ex ante utilizada para prover uma explicação do imperialismo (como um meio de superar uma escassez de mão de obra ex ante), estaríamos tratando de algo bem diferente. Independentemente de se concordar ou não com uma teoria dessas como uma explicação central para o imperialismo, tratar-se-ia ao menos de um esforço teórico honesto. Na verdade, o conhecido marxista austríaco Otto Bauer propôs precisamente esta teoria do imperialismo, que foi criticada por Rosa Luxemburgo.

Mas isto não é o que a teoria econômica dominante propõe. Ela diz que a acumulação de capital não é limitada ex ante pela disponibilidade de mão de obra, e sim ex post; seu propósito não é demonstrar a necessidade do fenômeno observável do imperialismo devido ao fator que ela enfatiza, nomeadamente a escassez de mão de obra, mas sim explicar o ritmo real da acumulação de capital em termos da disponibilidade de mão de obra interna sem qualquer referência ao imperialismo.

A bem da verdade, há teorias recentes dentro da economia burguesa mainstream que falam na superação da escassez de mão de obra através do estabelecimento de uma taxa apropriada de progresso tecnológico, de tal maneira que a taxa de crescimento da economia capitalista não mais seja limitada pela disponibilidade de mão de obra. Contudo, tais teorias ignoram completamente o imenso alcance global do capital e a sua tendência a deslocar milhões de pessoas através do globo de forma a atender suas necessidades. Em síntese, a teoria mainstream do crescimento, ao enxergar invariavelmente o capitalismo como um sistema fechado e autocontido, serve para obscurecer o fenômeno do imperialismo. E essa obscuridade caracteriza a economia burguesa como um todo.

A segunda ilustração deste ponto diz respeito à teoria do comércio, que propaga assiduamente a ideia de que o comércio internacional é sempre benéfico a todos os países. Esta visão é sustentada oficialmente por agências como a OMC (Organização Mundial do Comércio), que desejam impor o livre comércio por toda parte. Entretanto, toda a experiência de economias coloniais, como a Índia, fornece ampla evidência na direção contrária. A abertura comercial foi a causa da “desindustrialização” que lançou milhões de tecelões e outros artesãos ao desemprego, graças à importação de manufaturas baratas da metrópole capitalista. Os trabalhadores assim deslocados foram atirados aos campos, o que elevou o custo da terra, baixou os rendimentos do trabalho e deprimiu os ingressos de grande parte da população (excetuando-se, claro, os grandes proprietários da terra que, ao contrário, se beneficiaram do processo); esta foi a gênese da pobreza de massas nessas economias. Ainda assim, estudantes em todo o mundo, incluindo-se os que vivem nesses países, aprendem teorias que propagam as virtudes do livre comércio, ignorando a própria experiência.

Como a teoria mainstream realiza a façanha de “demonstrar” as virtudes do livre comércio? Ela o faz simplesmente por assumir que todos os “fatores de produção” encontram-se plenamente utilizados em cada economia, tanto antes quanto depois da abertura comercial. Se tomamos esta suposição como um dado, naturalmente não há espaço para qualquer “desindustrialização”, uma vez que os artesãos deslocados serão, por definição, completamente reabsorvidos pelo setor exportador em vez de permanecer desempregados ou subempregados. O facto de que o setor exportador numa economia colonial (ou, de modo geral, em qualquer economia do Terceiro Mundo ainda hoje) consiste em commodities primárias cuja produção não pode ser elevada arbitrariamente devido à disponibilidade limitada de terras e que portanto os novos desempregados simplesmente congestionarão o mercado de trabalho em detrimento de todos, é tido como inexistente. Com efeito, toda a acachapante evidência histórica da desindustrialização é tratada como se jamais houvesse ocorrido! E essa teoria obviamente tendenciosa, derivada de suposições deliberadamente construídas, é passada adiante como se sabedoria econômica fosse.

A inanidade da teoria econômica burguesa tornou-se óbvia a todos os que se engajaram na luta anticolonial, de Naoroji e Romesh Dutt a Gandhi e a esquerda. Como resultado, logo após a descolonização, houve um esforço, na Índia e em toda parte, para dizer a verdade sobre as experiências históricas desses países, e sobre a vacuidade da economia mainstream, aos seus estudantes universitários. Lamentavelmente, este não é mais o caso. No esforço de emular as universidades estrangeiras mais bem conceituadas, ostensivamente com o fito de atingir uma melhor qualidade de ensino, todos as instituições de ensino superior destes países propagam tais teorias econômicas burguesas do mainstream que servem para obscurecer o fenômeno do imperialismo aos seus estudantes.

A hegemonia intelectual desempenha um papel crucial no modus operandi do imperialismo; a predominância da teoria econômica burguesa mainstream é um elemento-chave desta hegemonia intelectual.
 
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[0] Tradução de Resistir.info e PCB.
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